quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Credo

Credo
Rev. Sergio Arantes Pinto

Creio num Deus único, onipotente, onisciente, onipresente, justo, verdadeiro e amoroso, criador do universo, céus, terra, astros, e tudo o que neles há; Sua essência é sem corpo, infinito, ocupando mais do que toda a sua criação e da qual é pai (Gn. 1 - 2).

Creio num Deus que não faz acepção de pessoas (Dt. 10: 17; Rm. 2: 11); Todos são seus filhos e o seu desejo é que todos aceitem o seu chamado para viverem em fé, cooperação em amor, suportando uns aos outros, como o próprio Deus o faz conosco (Lc. 15: 11 - 32).

Creio num Deus que chamou um homem, Abrão e lhe disse que nele seriam abençoadas todas as famílias da terra (Gn. 12: 1 - 3); Por meio de todas essas famílias abençoadas, a terra e o universo também seriam abençoados e restaurados à condição de “muito bons” (Mt. 28: 18 - 20; Ez. 18: 30 - 32; I Tm. 2: 1 - 6).

Creio em Deus que, em Jesus Cristo, se fez palavra, criou todas as coisas e como Deus Salvador, se encarnou para viver, como humano, o grande amor de Deus, dando a sua própria vida imaculada por todo o mundo, para a redenção de toda a humanidade (Jo. 1: 1 - 5; 10 - 14).

Deus é Espírito Santo, edificador, sustentador e consolador da sua obra em Cristo (Jo. 14: 16 - 28).

O Deus trino vive eternamente, sem princípio nem fim; A ele tudo é sujeito, até o próprio tempo, pois ele o criou (Gn. 21: 33; Is. 9: 6; 26: 4; Mq. 5: 2; Sl. 90: 4; II Pd. 3: 8).

Creio que a Igreja, o novo Israel, não salva, mas é a comunidade que aceita o chamado de Deus para proclamar e viver a sua mensagem de amor e salvação; Comunidade que é santa e pecadora, pois constituída de pecadores arrependidos, que é sempre perdoada e santificada por Deus em Cristo (Mt. 11: 27 - 30; 16: 18; Mc. 16: 14 - 18; Jo. 6: 66 - 69; Gl. 3: 13 - 14; 5: 1 - 6).

Creio que os descendentes de Abraão, segundo a carne, esqueceram-se dessa bênção para a qual foram chamados e que eles não só se esqueceram, mas atolaram-se na desobediência, no pecado e aceitaram deuses falsos durante toda a sua caminhada, com raríssimas exceções. Mas Deus não desistiu do seu intuito de ter filhos à sua imagem e semelhança; Deus é capaz de converter a maldição em bênção; Creio que Deus pode salvar quem quiser, independente de qualquer julgamento humano. (Gn. 50: 20; Ex. 33: 19; Ed. 13: 2; Is. 45: 6 - 7; Lm. 3: 38; Am. 3: 6).

Creio que Deus, na sua pré-ciência, por incapacidade total da humanidade, havia planejado que ele mesmo seria o autor e consumador da fé salvadora do ser humano (I Co. 12: 4 - 7, 11, 18; Cl. 1: 13 - 20; Hb. 2: 5 - 11; 4:14 - 16).

Creio que o homem e a mulher sempre foram, são e serão pecadores e incapacitados de produzir salvação. São seres dependentes, por natureza e, no máximo, podem, como imagem e semelhança de Deus, raciocinar e aceitar, de graça, a salvação. A aceitação da salvação é uma escolha que não faz dele um deus, ser perfeito, nem o capacita a andar como Deus quer que ele viva (II Cr. 6: 36; Ec. 7: 20; Sl. 143: 2; Rm. 3: 10, 23).

Creio que todos os homens e mulheres pecaram e estão destituídos da graça de Deus; Que é necessário, para a salvação, que o ser humano aceite e confesse a sua situação diante de si mesmo, diante de Deus e diante do seu semelhante, na sinceridade do seu coração, para que a graça de Deus se torne eficaz e haja transformação real em sua vida (Lv. 26: 40 - 45; Dn. 9: 4 - 19).

Creio que só a graça de Deus pode capacitar o ser humano para que ele viva a vida completa; Só a graça de Deus pode trabalhar, com a vontade do homem e da mulher, para que eles ajam como seres criados à imagem e semelhança do Criador. Ele quer que todos sejam salvos, mas não impõe seu querer à vontade do homem ou da mulher (Ef. 2: 1 - 16; 4 - 5: 1).

Creio que homens e mulheres não são justificados por obra, pois tudo de mal que fazem só serve para sua condenação e tudo de bem que fazem não passa de sua obrigação, pois para isso foram formados (Lc. 17: 10); Foram criados para a glória de Deus, para serem embaixadores e cooperadores com Deus e com seu semelhante, com a natureza e com todo o universo; Agindo corretamente trabalham a sua felicidade e a do seu próximo; Agindo erradamente trabalham a sua infelicidade e a do seu próximo.

Creio que a Bíblia é inspirada por Deus e foi escrita por homens que receberam a sua revelação, mesmo sem entenderem bem o que Deus lhes estava transmitindo. Por essa razão a Bíblia é sempre nova, dizendo aquilo que é necessário para o viver de cada um e para o viver em comunidade. Ela descreve a vida de povos e em especial a vida do povo de Israel, demonstrando as falhas e as possibilidades humanas. Descreve a história da salvação programada pelo próprio Deus (II Tm. 3: 14 - 17; 4: 1 - 5); I Pd. 4: 11; II Pd. 1: 19 - 21).

Creio que a Bíblia evidencia a forma como a humanidade não deve andar e a forma como deve viver; Ela mostra o amor, a justiça, o poder e a misericórdia de Deus e toda a imperfeição daqueles e daquelas que nunca serão Deus, mas que receberam o direito de serem imagem e semelhança de Deus.

Creio que a Bíblia não pode fazer a humanidade se tornar santa, mas ela sinaliza o caminho, a verdade e a vida; As leis, os exemplos e a história que ela apresenta não modificam a vida da humanidade, mas oferecem a maneira pela qual o ser humano pode aceitar a vida plena em Cristo.

Jesus não condenou as pessoas nem os relacionamentos entre as pessoas por elas serem diferentes ou pensarem de forma diferente. Ele denunciou o erro e mostrou a única forma de se ter vida plena. Procurou estar com todos para possibilitar o viver comum.

A fé que Jesus pregou é includente, pois Deus quer que vivamos como seus filhos, como irmãos. Quer que seja vivida a cooperação e a comunhão e não a concorrência, a massificação ou o individualismo.

Creio que o Deus Trino, Pai, Filho e Espírito Santo, não faz acepção de pessoas, nem de associação de pessoas, nem de órgãos, nem de instituições, nem de povos, nem de raças, nem de governos. Ele quer a redenção de toda a humanidade e de toda a terra; Ele nunca perguntou para saber e, mesmo, sabendo nunca deixou de se relacionar com as diversas seitas, denominações, magistrados, levitas, sacerdotes, saduceus, fariseus, publicanos e reis (Ed. 6: 1 - 12; 7: 11 - 26; Is. 44: 28; 45: 1; Jr. 27: 5 - 7, 19 - 22; 29:7; 43:10) e povos; Seus apóstolos relacionaram-se com reis, governadores, procônsules de quaisquer religiões; Deus não muda.

Jesus não tornou mal por mal, mas ensinou a amar os inimigos (Lc. 6: 27 - 36). Ele teve inimigos, mas não se tornou inimigo de ninguém. Foi capaz de dizer: “Pois quem não é contra nós é por nós” (Mc. 9: 40).

O evangelho de Jesus, que é o meu evangelho, é de paz (Jo. 14: 27; 16: 33). Paz Shalom, capaz de transformar vidas, órgãos, instituições, governos, mesmo dos “incrédulos” e “idólatras”. Ele é poder, que vem do Espírito Santo sobre todos, todas e todas as coisas.

No passado ele foi capaz de agir no império egípcio, assírio-babilônico, grego e romano e, contra tudo e contra todos, transpassando as barreiras da impiedade dos césares, fez a Bíblia e a Igreja vir por toda a terra e chegar até nós.

Deus, em Wesley, foi capaz de se sobrepor à Igreja da Inglaterra e aos responsáveis pelo Estado Anglicano e fazer uma nova Inglaterra. Não por força e nem por violência (Zc. 4: 6), mas simplesmente proclamando e vivendo as boas novas de salvação, tanto humanas como eternas.

Creio que sou Israel, povo escolhido de Deus, Igreja, comunidade daqueles e daquelas que foram chamados e aceitaram viver para testemunharem a boa nova de salvação de todo ser humano e, com este, proclamar a redenção de toda a terra (Rm. 2: 1 - 16; Gl. 3: 6 - 29).

Creio que na Igreja de Cristo não há lugar para descompassos humanos resolverem problemas espirituais. O viver comum submisso a Cristo, mesmo com os erros que toda a humanidade tem, conduz à salvação eterna; Não fomos chamados para julgar os outros, muito menos para cercearmos a liberdade de ninguém. Isto é problema da má política e da injustiça humana.

Creio que o Espírito Santo, que é o Espírito de Deus presente em nós e ao redor de nós, é quem nos conduz, quando deixamos, a toda verdade, quer estejamos ou não associados a instituições humanas de caráter religioso, filosófico, político, científico, educacional, social ou tecnológico.

Creio que no Reino de Deus, que começa com a Igreja de Cristo, os valores têm de ser os de Deus, que sempre deu liberdade aos homens e mulheres para escolherem o seu próprio caminho (Mt. 15: 17 - 18).

Creio que a Igreja zela por um caminho ético, segundo os mandamentos de Deus, mas deixa aos seres humanos escolherem seus caminhos. Não impõe a sua ética, nem aos humanos e nem às suas instituições. Zela pela apresentação da vontade de Deus, mas não cerceia a liberdade de escolha de cada um, nem do todo (Tt. 2: 11 - 15).

Creio que o cristão está aberto ao diálogo com toda a humanidade, quer individualmente, quer comunitariamente, pronto a dar a razão de ser da sua fé, sem tolher a liberdade de escolha de quem quer que seja. Ele está pronto a testemunhar a sua fé e a conseqüente felicidade que Deus lhe concede de entender, aceitar e viver o evangelho de Cristo Jesus. Ele confia que o Espírito Santo age na sua vida e na vida daqueles que estão ao seu redor, inclusive nas instituições, para conversão e salvação; Ele sabe que sozinho nada pode, mas que o Espírito de Deus pode todas as coisas. Por isso ele se coloca humildemente nas mãos do Espírito para que este realize a obra de Deus (Lc. 12: 1 - 12; Tt. 3: 1 - 11).

Por isso sou cristão, metodista e ecumênico.

Juiz de Fora, 31 de agosto de 2006.
Rev. Sergio Arantes Pinto.


segunda-feira, 26 de novembro de 2007

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Adesão ou conversão?

Adesão ou conversão?
Carlos Wesley*

“Não podemos admitir que o nosso crescimento numérico seja constituído de um aglomerado de pessoas, sem conhecimento e preparo bíblico-doutrinário, sem comprometimento com as raízes históricas do metodismo e as posições assumidas historicamente pela Igreja, através de seus concílios e seus documentos, tornando-se um ajuntamento de pessoas que estão na Igreja Metodista mas não vestem a camisa da identidade metodista, afirmando: “Estou na Igreja Metodista” ao invés de dizerem: Sou Metodista”.

Essa é uma afirmação do falecido Bispo David Ponciano Dias, em sua Palavra Episcopal publicada no Expositor Cristão de outubro de 1999 e agora, também, a preocupação do Bispo Paulo Lockmann, de nossa Região, que em seu relatório episcopal ao XXXV Concílio Regional realizado recentemente, afirmou a existência, em nosso meio, de “uma desordem religiosa”, onde “as fronteiras religiosas se confundem e confundem”. Disse ainda o Bispo Lockmann: “Vive-se uma conturbação religiosa, na qual, nós, metodistas, somos visivelmente afetados (as). Dentro desse quadro, as pessoas são, em grande número, levadas por todo o vento de doutrina, agitadas de um lado para outro”.

As afirmativas dessas duas importantes lideranças refletem a angústia de uma parte considerável e respeitável de nossa Igreja Metodista, diante de uma acelerada perda de identidade de nossa denominação face, principalmente, à perturbadora influência dos grupos neo-pentecostais, cada vez mais presente nas igrejas protestantes (caracterizando os grupos históricos das igrejas chamadas evangélicas, estas hoje constituindo um arco bastante heterogêneo de componentes, muitas vezes divergentes entre si), impregnando-as de doutrinas, costumes e práticas que nada têm a haver com elas.

O crescimento numérico dessas novas seitas tem sido invejado em nosso meio, principalmente quando artistas conhecidos e esportistas famosos, para não falar de bandidos notórios, se dizem convertidos e freqüentam alguns desses movimentos, fazendo com que muitos pastores nossos busquem em seus arraiais os modelos do seu ministério pastoral. Afinal de contas, tem contado muito na avaliação do seu trabalho ministerial (não usei a expressão “trabalho pastoral” intencionalmente) o crescimento numérico de sua comunidade, seja ele conseguido a que preço for. Chego a pensar, mesmo, que, nessa questão, muitos têm agido como se os fins justificassem os meios...

Essa reflexão está sendo feita em razão de um artigo publicado na revista Ultimato (setembro/outubro de 2001), intitulado “Monique Evans ainda está longe da terra prometida”. O título pode até soar estranho para alguns, ou mesmo parecer um julgamento pesado, mas não é. O tema desenvolvido ali defende a tese de que “nesta época de euforia e de ênfase à conversão de celebridades e de multidões, a igreja evangélica brasileira precisa redescobrir o significado da palavra “conversão”“. É um texto muito mais elucidativo que condenatório.

O que significa conversão para nós? Eu ainda peguei um tempo onde ser “crente” implicava em muitas perseguições, inclusive na própria família (meu pai foi pastor na década de trinta no interior capixaba e mineiro), além de preconceitos, chacotas, humilhações, entre outras coisas. Dentre tantas histórias da bela carreira pastoral do meu pai, existem algumas de perseguições a pedradas pelas ruas de cidade interioranas. Muitos irmãos antigos de nossas comunidades metodistas podem contar histórias semelhantes que nunca imaginaríamos que pudessem um dia ter acontecido.

Mas, o tempo é outro. A Igreja Evangélica ocupa hoje um lugar de proeminência na sociedade. Seu crescimento vertiginoso chama a atenção da mídia e, conseqüentemente, da população em geral. Para dizer a verdade, ser crente hoje até dá um certo status. Nos bancos, ou nos púlpitos das igrejas, estão assentadas pessoas importantes, astros e estrelas da TV, personalidades do mundo esportivo, músicos do show business e até notórios bandidos que se “converteram”, como aquele bem conhecido ladrão de carros que, depois, foi morto na disputa por uma “boca de fumo” numa favela de nossa cidade... A própria igreja hoje fabrica os seus ícones, sendo que um, dos mais famosos, encontra-se hoje no ostracismo pelos problemas de adultério e de envolvimento com dossiês falsificados. E nesse entorpecimento da fama, gerado pela ação midiática, muitos são atraídos para as fileiras das igrejas. Como foi muito bem colocado pela Ultimato, “é preciso fazer a diferença entre adesão e conversão. Adesão é o ato de abraçar um movimento... Conversão é um acontecimento que imprime novos conceitos e nova vida”.

Conversão, segundo D.G. Bloesch, “é a invasão da graça divina na vida humana, a ressurreição da morte espiritual para a vida eterna”. Quem inicia a obra da conversão é o próprio Deus, nunca o homem. Assim, a conversão só pode ser entendida como uma resposta humana a um chamado divino. Não é o homem quem decide aceitar Jesus como seu Senhor. Ele na verdade está simplesmente respondendo à graça irresistível de Deus.

A conversão possui dois aspectos distintos que precisam ser levados em consideração nesses tempos de tanta confusão. Esses elementos são o arrependimento e a fé. A verdadeira conversão vem atrelada a essa dupla inseparável. Enquanto o arrependimento é o ato de se dar as costas para o pecado, a fé é o ato de se voltar para Cristo. O arrependimento significa a mudança que é produzida na vida daquele que se encontra com Jesus, levando-o ao abandono do pecado. A fé é o ato de se apossar das promessas e da obra de Cristo. Na genuína conversão, um jamais existe sem o outro.

O que temos visto, porém, é muita “conversão” e pouca manifestação de arrependimento e fé. A conversão sem o reflexo desses dois elementos produz um cristianismo espúrio.

O Bispo David, depois da sua afirmação citada no início desta reflexão, complementa: “Desta maneira, o crescimento numérico mais se parece com uma inchação do que com um crescimento saudável que é necessário para o desenvolvimento da ação missionária da igreja”. Valdir Steuernagel, disse que “uma igreja que cresce e que não tem impactos de justiça na sociedade sofre de um crescimento enfermo”.

É, ainda, do Bispo Paulo Lockmann, em seu documento ao povo chamado Metodista da Primeira Região, por ocasião do Concílio Regional, a afirmação de que é vital definir a razão de nossa existência: “É importante deixar claro quem somos e para quê existimos. E tal definição deve ser, acima de tudo, conhecida da comunidade interna. Todos (as) os (as) metodistas precisam saber e memorizar essa lição.”

João Wesley dizia que o povo metodista existe “para transformar a nação, particularmente a Igreja e espalhar a santidade bíblica por toda a terra”. A Igreja Metodista precisa crescer, sim, mas em unidade e com identidade, através de verdadeiras conversões e não de festivas (ou interesseiras) adesões, como a de Constantino e seu exército, para poder causar impacto na sociedade, provocar mudanças e participar do “seu propósito de salvar o mundo”. Digamos todos: AMÉM!

IGREJA METODISTA:
Crescimento em Unidade e com Identidade

METODISTA: Ler ou não Ser
Pela preservação e valorização da Identidade Metodista

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

King: obra inacabada

Uma Obra Inacabada
Paulo Ayres Matos


“Quem se importa hoje com Martin Luther King? Quem se interessa hoje por Martin Luther King?”, essa foi a questão colocada há quase duas décadas atrás pelo Don L. Davis, diretor do Instituto de Pastoral Urbano ligado à Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos, num excelente ensaio sobre a relevância do pensamento e da obra de Martin Luther King, vinte anos após a sua morte por ocasião do estabelecimento da terceira segunda-feira do mês de janeiro como feriado nacional norte-americano, em celebração do seu aniversário no dia 15 do mesmo mês. O argumento central do ensaio de Davis tem a ver com a dura constatação de que a melhor maneira de nos livrarmos do legado da vida do grande ativista social norte-americano em favor dos direitos civis da população negra tem sido a crescente veneração dele por parte da elite norte-americana, e me atreveria a dizer de todo o mundo, na mesma medida em que os princípios, valores e estratégias que nortearam sua prática revolucionária são negados no cotidiano das relações sociais. Dizia, então, dr. Davis, citando um dos biógrafos de King:

“Os mesmos congresso e presidente que aprovaram o dia do aniversário de Martin King como feriado nacional se recusaram assinar uma nova lei de direitos civis nos anos 80. ... Não seria o caso do Presidente Reagan ter se apercebido de que a melhor maneira de não se confrontar com King é venerá-lo? Honrá-lo com um feriado que se estivesse ele vivo nunca teria aceitado? ... É muito mais fácil honrar um herói morto do que reconhecer e seguir um profeta vivo! A melhor maneira de se furtar a qualquer desafio é exaltar e adorar a fonte concreta da qual se originou tal desafio.”

Quero honrar a memória e a luta de um dos maiores seres humanos que o século XX teve oportunidade de oferecer a todas as gerações – Martin Luther King Jr. Mas o que será que nos trouxe aqui? Será que nos importamos realmente com sua vida e obra? Haverá realmente algum interesse de nossa parte de nos comprometermos, pelo menos de uma vaga maneira, com os mesmos valores e princípios que fizeram dele um ardoroso lutador pela erradicação das injustiças não só em seu país, mas em outros cantos do mundo? O que será que nos motiva na realização dessa III Semana Martin Luther King?

O que me proponho apresentar nesta sessão de abertura dessa importante realização do Palas Athenas é uma reflexão sobre a trajetória de um homem que sempre teve diante de si a certeza de que sua obra era anterior a ele mesmo e que não estaria terminada quando de sua morte. No dia anterior a sua morte, em 3 de abril de 1968, na conclusão do discurso proferido aos grevistas dos serviços de água e esgoto da cidade de Memphis, no Estado de Tennessee, King, alegorizando a passagem bíblica que diz ter Moisés visto de longe, do alto da montanha, a terra prometida onde por sua morte não pode entrar, afirmou:

“O que fariam a mim alguns de nossos doentes irmãos brancos? Bem, eu não sei o que me acontecerá agora. Nós temos diante de nós duros dias. Mas isto não me importa agora. Porque eu tenho estado no alto da montanha. E eu não me importo. Como qualquer um, eu gostaria de viver uma vida longa. Longevidade é coisa boa. Mas eu não estou preocupado com ela agora. A única coisa que quero fazer é cumprir com a vontade de Deus. E Deus me tem permito chegar ao alto da montanha. E eu a tenho contemplado – a terra prometida. Talvez eu não entre nela acompanhando vocês. Mas nesta noite quero que vocês saibam que, como um povo, vamos entrar na terra prometida. E por isto estou feliz esta noite. Eu não temo nada. Nenhum homem me faz ter medo. Meus olhos viram a glória do Senhor.”

Esta profunda convicção de que a obra na qual estava engajado era muito maior do que ele mesmo, fez de Martin Luther King um símbolo para todas as pessoas que lutam pela superação de todas as formas de exclusão e descriminação. A obra de sua curta vida morreu antes de completar quarenta anos de idade, é e sempre será uma referência maior onde quer que seja mulheres e homens estejam comprometidos com a construção de uma sociedade mais justa e fraterna.

Mas quem foi este Martin Luther King? Permitam-me apresentar alguns traços que considero importantes de sua trajetória desde Atlanta, onde nasceu, até seu martírio em Memphis. King nasceu no dia 15 de janeiro de 1929. Como seu pai, tornou-se pastor batista, sendo ordenado quanto tinha somente 19 anos de idade, da época em que também se graduou em sociologia na conceituada faculdade negra Morehouse College. Foi nesta mesma época que King pela primeira vez tomou contato com a vida e obra de Mahatma Ghandi, passando desde então a estudar com seriedade seus ensinos sobre a não-violência como estratégia para radicais mudanças sociais.

Sua carreira acadêmica foi desenvolvida primeiro no Seminário Teológico Crozer, na Pennsylvania, onde se bacharelou em teologia, e posteriormente na Faculdade de Teologia da Universidade de Boston, onde recebeu o título de doutor em filosofia na área de teologia sistemática. Foi em Boston, sob a orientação do teólogo metodista Harold DeWolf, introduzido à filosofia do personalismo, uma escola filosófica norte-americana que afirma o valor fundamental de cada ser humano enquanto tal.

Convicto de que a obra na qual se engajara era maior do que ele mesmo

A formação religiosa de King se deu dentro de um lar e de uma igreja fortemente enraizadas na vibrante tradição evangélica negra norte-americana. Ao longo dos tempos, as igrejas negras, principalmente as batistas e metodistas, vieram a ser espaços de resistência e luta contra o racismo e a segregação racial nos Estados Unidos. Foram elas nutridas na aplicação do ensino bíblico à vida cotidiana sofrida da população afro-americana, tanto antes como depois de sua emancipação, tão bem expressa nos cânticos dos Negro Spirituals. Essa formação religiosa foi fundamental para o desenvolvimento não somente de sua teologia mas acima de tudo para uma forte espiritualidade manifesta de modo particular em sua prática social. King se insere numa tradição religiosa afro-americana extremamente ampla e rica em que resistência e luta pela liberdade se conjugam através da interconexão no imaginário religioso das lembranças da mãe-África com a mensagem na Bíblia do Deus do Êxodo, o libertador dos pobres escravos no Egito. Certamente cânticos como Go down, Moses, tell the Pharoh e War no more! inspiraram gerações e gerações de afro-americanos em sua luta primeiro contra a própria escravidão, e depois contra a descriminação e a segregação raciais.

E isso não foi diferente com Martin Luther King. Neste sentido, a mística e a espiritualidade de King foram sempre caracterizadas pela firme convicção de que o Deus da Bíblia, em meio às lutas de cada dia, sempre está do, no e ao lado dos pobres, dos marginalizados, dos discriminados e dos excluídos da sociedade. Outro aspecto da religiosidade afro-americana que se introjetou profundamente em King foi o estilo oratório peculiar aos pregadores negros norte-americanos. King, quer como pregador, quer como conferencista, quer como ativista social, nunca abriu mão da retórica própria das igrejas negras norte-americanas.

Por outro lado, as pesquisas mais recentes sobre o pensamento de King mostram que sua formação teológica tanto no Crozer como em Boston o levaram a aprofundar sua resistência e crescentemente oposição a qualquer forma intimista ou individualista da fé religiosa. Neste sentido, King assumiu crescentemente a agenda teológica do liberalismo norte-americano, especialmente do Evangelho Social (Social Gospel). A forte piedade e espiritualidade místicas de King, insertadas na cultura religiosa afro-americana, foram cada vez mais ao longo de sua curta existência determinadas por seu crescente e radical compromisso social na luta em favor da justiça e da paz. Os estudiosos que nas últimas duas décadas têm se dedicado ao resgate do pensamento teológico e social de King estão afirmando com mais veemência a importância de sua formação teológica e filosófica em sua prática política, de maneira particular a influência da filosofia da não-violência como ensinada e praticada por Mahatma Ghandi.

Entretanto, em que pese à importância tanto de sua formação religiosa na casa de seus pais e na igreja batista negra, como de sua formação acadêmica no Seminário Crozer e na Universidade de Boston, a verdade é que sua vida vai ter uma mudança radical com a sua designação para o pastorado da Igreja Batista da Avenida Dexter em Montgomery, Alabama, no coração racista do chamado Deep South, a terra da mais abjeta descriminação e segregação raciais. Um ano depois de sua chegada a Montgomery, King não teve como escapar ao desafio colocado pela inusitada e radical decisão de Rosa Parks, uma mulher negra de 42 anos de idade, ao recusar ceder seu lugar a um branco num dos ônibus da cidade. Rosa, recentemente falecida, por causa de seu aparente tresloucado gesto no dia 1o de dezembro de 1955, acendeu a chama de uma fogueira que logo estaria incendiando a vida de milhares e milhares de mulheres e homens negros em todo sul dos Estados Unidos, inclusive de Martin Luther King. Quatro dias depois, simultaneamente ocorreram o boycott contra as companhias de ônibus, o julgamento de Rosa Parks, e a eleição de King por unanimidade para presidente da Associação para o Progresso [de Pessoas de Cor] de Montgomery. Neste mesmo dia aconteceu a virada na vida de King. Naquele dia, King estava virando a página de sua vida de forma irreversível. A tranqüilidade dos tempos escolares, acadêmicos e ministeriais, de êxito pessoal, daria lugar a uma vida tempestuosa de grandes vitórias e terríveis derrotas. Ele e o mundo já não seriam os mesmos. Logo o doutor em teologia teria de dar lugar ao audacioso pastor-ativista. Em menos de dois meses King provou o gosto amargo e ao mesmo tempo desafiador das cadeias de uma sociedade racista. Daí em diante até o final de sua vida King nunca se envergonhou por um minuto passado em um recinto presidiário; antes pelo contrário, pois, em suas próprias palavras, se envergonhava sim da sociedade que construíra cadeias para encerrar aqueles e aquelas que lutavam em favor da justiça e da igualdade entre todas as pessoas, quer fossem elas brancas ou negras. Daí em diante King e seus familiares estiveram sempre correndo risco de morte, sendo alvo de uma série infindável de tentativas de assassinato, de atentados a bomba contra sua casa, de acusações infames contra sua integridade moral, intelectual, política e espiritual, inclusive de plágio de sua tese doutoral e de adultério, sendo que muitas dessas acusações foram forjadas pelos próprios órgãos de segurança do governo norte-americano.

É verdade que a luta em Montgomery contra a segregação nos ônibus acabou por ter êxito sendo eliminada por ato da Suprema Corte Americana qualquer discriminação; um ano depois do ato corajoso de Rosa Parks o sistema de transporte público no Estado de Alabama foi integrado. Mas a luta contra o racismo norte-americano estava somente no início. Muito mais havia por fazer, primeiro no sul dos Estados Unidos, depois no norte do país, e tempos depois além das fronteiras do seu país.

"Como qualquer um, eu gostaria de viver uma longa vida.Mas a única cosa que eu quero é cumprir com a vontade de Deus." King

As complicações no ano de 1958 não foram poucas e culminaram em setembro com o atentado que King sofreu no Harlem, em Nova Iorque. Em plena recuperação, King resolve no início do ano seguinte passar com sua esposa Coretta um mês na Índia se aprofundando nas técnicas das marchas não-violentas de Gandhi, a convite de Jawaharal Nehru, primeiro-ministro daquele país. No início de 1960, outro fato importante vai catapultar as atividades de King: sua transferência para Atlanta a fim de assumir com seu pai o co-pastorado da histórica Igreja Batista Ebenezer. Os anos seguintes vêem King cada vez mais articular politicamente a luta contra o racismo, tanto local como nacionalmente. Demonstrações sit-in, marchas, piquetes, vigílias de oração, tudo isto é motivo para prisões, julgamentos, e atentados, não só contra King, mas contra outros ativistas dos direitos civis, inclusive com o assassinato de Medgar Evers, líder do Naacp no Mississipi. Por outro lado, foram se criando as condições para maior mobilização e organização em níveis local, regional e nacional do movimento dos direitos civis de tal sorte que no verão de 1963 foi possível organizar-se a primeira grande demonstração em escala nacional que se realizou no dia 28 de agosto quando King proferiu seu célebre discurso “I have a Dream”. Nessa ocasião King e outros líderes do movimento se encontram uma vez mais com o presidente norte-americano John Kennedy. Os meses seguintes foram de dramáticos acontecimentos: em setembro quatro meninas negras são mortas num atentado à bomba a uma igreja negra na cidade de Birmingham, Alabama, e em novembro o Presidente Kennedy é assassinado. O ano de 1964 vê King envolvido em diversos protestos por todo o sul dos Estados Unidos, a morte por assassinato de dois estudantes brancos e um negro que estavam fazendo campanha para inscrição eleitoral de negros no Mississipi, a assinatura da primeira parte da Lei dos Direitos Civis, e a concessão do Prêmio Nobel da Paz a King.

No início de 1965 Malcom X, ex-líder do movimento muçulmano negro, é assassinado por antigos companheiros muçulmanos. King, apesar de suas profundas divergências ideológicas com Malcolm, devido à questão do uso estratégico da não-violência, expressa seu profundo pesar pela morte do outro líder negro norte-americano mais importante naquela década. Neste mesmo ano a cidade de Selma, no Alabama, vai se tornar o principal foco das ações do movimento dos direitos civis.

Mas é no ano de 1966 que King vai tomar a decisão que vai ter graves conseqüências para os três anos finais de sua vida: ele resolve deslocar sua ação no movimento dos direitos civis para as cidades do norte dos Estados Unidos. Isto vai lhe custar problemas praticamente insuperáveis tanto com os brancos liberais, que o apoiavam enquanto sua luta estava se dando na região sul do país, como com os setores negros do norte, que crescentemente se exasperavam com o pouco progresso de sua situação sócio-econômica num contexto de certo não-segregacionismo, mas ainda sim profundamente racista. Os distúrbios urbanos particularmente no norte do país exemplificavam em grande parte o desencanto com a estratégia não-violenta ardorosamente defendida por King. A manifestação mais veemente dessa desilusão é a proclamação do Black Power exatamente por dois dos principais líderes do Movimento Estudantil Não-Violento.

Ao alugar um apartamento no gueto negro de Chicago, King passa a viver com o cotidiano da vida dos negros numa grande metrópole do norte do país e de um grande centro do liberalismo norte-americano. É neste mesmo ano que King vai começar a se envolver no movimento contra a guerra no Vietnam. No ano seguinte, em março de 1967, no Coliseu de Chicago, durante uma grande demonstração contra a guerra, King lança um forte ataque à política militarista norte-americana não só no Vietnã, mas também em outras partes do mundo. Menos de um mês depois, King pronuncia outro discurso que veio a ser famoso – Além do Vietnam – Tempo de romper o silêncio, no qual explicita de maneira clara sua percepção da íntima conexão entre racismo, pobreza e militarismo. No restante do ano a situação social se agrava e se torna cada vez mais tensa e conflituosa, com distúrbios urbanos explodindo em distantes partes do norte do país com enorme número de feridos e mortos. Diante de tal quadro, King cada vez mais articula sua luta não-violenta contra o racismo com as lutas contra a guerra e a pobreza, explicitando cada vez mais com maior clareza a natureza estrutural-econômica de suas causas.

Em fevereiro de 1968 é deflagrada a greve dos trabalhadores dos serviços de água e esgoto de Memphis, no Estado do Tennessee. King resolve apoiar o movimento e durante uma marcha de protesto, a violência irrompe e deixa o saldo de um morto e cerca de cinqüenta feridos. No dia 3 de abril, King profere diante da assembléia dos grevistas o seu discurso “Eu estive no alto da montanha”. No dia seguinte King é assassinado.

Permitam-me, depois desta exposição da caminhada de Martin Luther King, fazer algumas observações sobre o seu legado.

O legado de King não admite a construção de nenhuma mitologia em torno de sua pessoa e obra. Como já foi dito no início, a melhor maneira de se não levar a sério a vida e a obra de King é transformá-lo em um mito que deve ser reverenciado. Certamente isso seria para ele mais do que repugnante. A verdade é, contudo, que em muitos círculos isto é o que acontece hoje com a figura de King, à semelhança do que ocorre com outras figuras tais como o próprio Ghandi e, entre nós, Dom Helder Câmara e Ernesto Che Guevara, ideologicamente tão distantes, humanamente tão próximos.

Uma das dimensões mais daninhas à figura histórica de King é sua apresentação como o líder solitário na luta pelos direitos civis. E a mídia tem sido em grande parte responsável por essa distorção histórica. Tal mito se afasta da realidade histórica da qual emergiu a maiúscula figura de King, colocando-se demasiada ênfase em suas extraordinárias qualidades como líder e não considerando devidamente os fatores conjunturais que possibilitaram e contribuíram para sua aparição e atuação em momento tão singular da luta contra o racismo nos Estados Unidos. Na verdade, a liderança nacional de King emergiu como fruto de uma rede de extraordinários líderes locais e regionais que junto às suas comunidades criavam as condições de mobilização e organização para que ações mais amplas promovidas e apoiadas pelas lideranças nacionais pudessem ser bem sucedidas.

Outra dimensão dessa distorção mítica da figura de King é a ênfase em sua capacidade oratória. Claro que King, como já foi dito, era um extraordinário pregador batista negro, que sabia usar magistralmente a retórica peculiar dos pregadores negros, que influenciados pela forma dialogal das narrativas africanas fazem com que haja durante os serviços religiosos uma espécie de dança e contra-dança entre quem prega e quem ouve o sermão, que resulta num envolvimento comunitário de alta densidade emocional. Aliás, um parêntesis, isto é o que faz a pregação pentecostal ter tanto sucesso em contextos africanos, quer na África, quer na diáspora africana em outros países como o Brasil, Cuba e os próprios Estados Unidos. Tal ênfase em sua retórica, muitas vezes parece insinuar uma certa manipulação emocional e religiosa da parte de Luther King de seus ouvintes, o que seria de fato uma grave distorção de sua mensagem, já que freqüentemente King em seus sermões e discursos ia contra a corrente conservadora teológica e política prevalecente entre brancos e negros protestantes norte-americanos. Ao lado da distorção de seus poderes oratórios, há uma certa ênfase em seu carisma como líder que carregava as massas a realizar o que lhe parecia o mais apropriado para uma certa conjuntura. Os estudos mais recentes mostram que ao contrário de manipulações carismáticas e emocionais, os ativistas sociais viam as ações lideradas por King como a expressão maior de muitos outros líderes, especialmente em nível local. Estudos recentes estão mostrando que grande parte das conquistas da luta pelos direitos civis sob a liderança de King foi resultado de um grande movimento de massa com base nas comunidades locais.

É claro que King tinha clara consciência de seus carismas, homem profundamente religioso que era. Mas ele também reconhecia que diante do racismo prevalecente na sociedade americana, carisma não seria suficiente para embasar e impulsionar a luta a que se propunha junto a muitos outros líderes. Também King sempre demonstrou profunda consciência com respeito a suas próprias limitações, inclusive com dúvidas profundas sobre os caminhos a seguir em certos momentos mais conflitivos. Uma das suas maiores angústias foi exatamente o fracasso em sua pregação da não-violência, mensagem que nunca conseguiu ganhar o apoio das grandes massas de afro-americanos, especialmente entre os mais jovens. Outra grande frustração de King foi sua incapacidade em ajudar a muitos de seus colegas pastores, negros como ele, a superarem suas ideologias e teologias conservadoras que, segundo ele, se constituíam em grande entrave para o avanço da causa dos direitos civis.

Outra grande angústia de King foi sua constatação que ao mover sua atuação para o norte dos Estados Unidos, os liberais brancos que estavam dispostos apoiá-lo enquanto ele lutava somente no sul do país, pouco a pouco foram retirando o respaldo à luta pelos direitos civis, especialmente quando passou a expressar com veemência suas opiniões contrárias à guerra no Vietnã e a vincular racismo, pobreza e militarismo, pregando mais do que reformas políticas a re-estruturação do sistema econômico-militar que produzia tanto o racismo, como a pobreza, no país e no mundo. O que de fato ele passou a defender tinha muito mais a ver com revolução do que com reforma, ainda que fosse uma revolução não-violenta!

A viúva e a filha Berenice, a mais nova dos quatro filhos

Se é verdade que sua formação religiosa e acadêmica foram importantes para a formação de sua estratégia de mudanças sociais, muito mais verdade, entretanto, é o fato que foi a própria realidade do racismo, da pobreza e do militarismo que se encarregou de mudar sua percepção da realidade sócio-política-econômica de seu país e do mundo, e, acima de tudo, de suas causas. Foi a decisão, aparentemente estapafúrdia, de Rosa Parks que jogou King no redemoinho dos direitos civis. Foi Chicago que fez com que King percebesse que as causas da pobreza eram muito mais intrincadas do que a segregação nos ônibus e escolas do sul dos Estados Unidos, e perceber que elas estavam profundamente inter-relacionadas com a pobreza dos guetos negros das grandes cidades do país. Foi o envolvimento do seu país no conflito no Vietnã que o levou a perceber o caráter internacional da exploração econômica sustentado pelo aparato capitalista-militar norte-americano. Quando se apercebeu finalmente de todas estas interconexões, o acadêmico pastor de Montgomery tornou-se perigoso para o sistema. Na medida em que seu idealismo liberal foi dando lugar a um não-violento realismo radical, o liberal The New York Times, após o discurso contra a ação do governo de seu país no Vietnã, o chamou de demagogo populista. Na medida em que King vai além de seu amor nacionalista por seu país e se firma, em nome de sua fidelidade a fé que abraça, seu compromisso internacional com os pobres, marginalizados e excluídos de todo mundo, seja no Peru, na África do Sul, ou no mundo dominado pelo comunismo soviético, King se torna uma grande ameaça, talvez mais perigosa que os militantes do Black Power. Na medida que é capaz de em seu calidoscópio perceber que pobreza, racismo e militarismo estão intrinsecamente relacionados com o poder econômico, King ultrapassa os limites liberais do permissível. Por isso, seu assassinato é seu destino inevitável. Para isso ele estava preparado. Por isso termina o seu discurso aos grevistas de Memphis, na noite anterior ao seu assassinato, dizendo:

“Como qualquer um, eu gostaria de viver uma vida longa. Longevidade é coisa boa. Mas eu não estou preocupado com ela agora. A única coisa que quero fazer é cumprir com a vontade de Deus. E Deus me tem permito chegar ao alto da montanha. E eu a tenho contemplado – a terra prometida. Talvez eu não entre nela acompanhando vocês. Mas nesta noite quero que vocês saibam que como um povo vamos entrar nessa terra prometida. E por isto estou feliz esta noite. Eu não temo nada. Nenhum homem me faz ter medo. Meus olhos viram a glória do Senhor.”

Diante dos desafios de um mundo globalizado debaixo do pensamento único e da ditadura do poderoso capitalismo financeiro internacional, a percepção de Martin Luther King Jr. da interconexão entre pobreza, racismo e militarismo e a mesma luta que ele travou contra os poderes que produzem tal mundo continuam reclamando um compromisso inabalável para todas as pessoas que acreditam que um mundo diferente é possível.


* Paulo Ayres Mattos é Professor da Faculdade de Teologia da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), São Bernardo do Campo, SP.

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Agostinho: luz e sombra

CORPO DE PSICÓLOGOS E PSIQUIATRAS CRISTÃOS - CPPC
JORNADA ANUAL CPPC/SP 2007

Agostinho: luz e sombra

O difícil equilíbrio: Conseqüências na doutrina e na saúde psicológica


24 de Novembro de 2007
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Auditório Benedito Novaes Garcez (prédio 9)

PRÉ-INSCRIÇÃO ATÉ DIA 21/11/07!!!

Pagamento/confirmação da inscrição no local, no dia do evento, das 8h30 às 9h.

Membros do CPPC:
Profissionais, Colaboradores - R$ 35,00
Estudantes (graduação com comprovante) - R$ 15,00

Não Membros:

Profissionais (e demais interessados) - R$ 40,00
Estudantes (graduação com comprovante) - R$ 20,00

Informações e Inscrições:

Secretaria CPPC/SP
(11) 6951-7330
cppcsp@terra.com.br

sábado, 17 de novembro de 2007

Igrejas avivadas, mundo morto?

Para que servem igrejas avivadas em um mundo morto?

Rev. André Botelho*

O reverso do delírio paranóico do deus onipotente e da Igreja Ultra-Potente é o Deus que se revelou como fraqueza e confiou à Igreja seu carisma para salvar o mundo.

Uma espécie de consciência febricitante domina a Igreja em nossos dias fazendo-a pensar que não avança missionariamente porque lhe falta poder. Ora, poder significa dispor de força e autoridade ou ainda ter grande influência ou domínio sobre outrem. É neste sentido que, não muito longe, já vimos a sede de poder transformar a Missão da Igreja num exercício de força e intolerância. Percebemos que a obsessão pelo poder pode gerar o desprezo do carisma, levando a Igreja a caminhos nada cristãos. Pode tornar suas orações, celebrações, e, acredite, até a sua piedade em meros atos pagãos. O poder temporal em si não é um mal, contudo, se instrumentalizado em benefício próprio torna-se meio de exclusão e opressão. Quem já leu um pouquinho acerca da longa História da Igreja ‑ e sua relação com o poder dos príncipes ‑ não custou a perceber que a sedução do poder tornou o "Céu" o perpétuo lugar de Deus e a Terra a eterna realeza da todo-poderosa Igreja.

Hoje, aqui, muitas vezes distraídos, enquanto sonhamos com poder e em como tornar a Igreja mais poderosa, o mundo anseia por uma Congregação Cristã de humildade e fraternidade. Os desafios do tempo presente que interpelam a comunidade da fé são os clamores por uma instituição com carisma e não com poder ‑ no sentido de potestas.

Muitas instituições poderosas existem no mundo, mas os seus poderes não têm funcionado para resolver seus próprios defeitos morais, suas mazelas e suas injustiças. Carisma é a graça divina estampada no rosto de uma Igreja que não se fechou diante do desafio da evangelização e da humanização do mundo. Uma Igreja com poder fala e impõe, uma Igreja com carisma ouve e serve. O mundo resiste ao poder, mas acolhe o carisma. O poder cansa, o carisma renova.

Já não é a Igreja de Jesus Cristo cheia da Graça de Deus? Precisaria ela de mais poder? Não seria porventura o mundo quem, de fato, precisa de um avivamento urgente? Sobre isso penso ser inadiável um diálogo aberto.

Muitas vezes a Igreja pode estar lutando por conservar estruturas internas de poder, ao invés de manifestar abertamente a graça de Deus aos homens. Tomemos como exemplo a Igreja do Novo Testamento: apesar de suas muitas deficiências, mantinha-se como comunidade de grande vitalidade missionária. Era carismática no serviço! Se hoje somos “carismáticos” no poder, é porque nos falta poder de Deus para sermos carismáticos. Somos “avivados” na celebração e ultra-tradicionalistas na Missão! A Igreja pode ter recursos, conexões, instituições, mas ainda assim não ter influência alguma sobre a realidade e a sociedade. Apesar de sucessivos “avivamentos”, a Igreja permanece conservadora, na contramão da História e em extrema fragilidade moral e institucional, pois luz não se ouve ‑ luz se vê!

É desesperador notar como "carismáticos" de carteirinha não conseguem dialogar um minuto sequer sobre Missão de verdade. É neste sentido e por isto que devemos defender um diálogo franco e urgente em torno do verdadeiro significado da renovação espiritual para os dias de hoje. A Igreja deve mudar o foco do avivamento! Deve buscar uma renovação de sua consciência, precedida de uma conversão radical do seu coração. Precisa viver uma kénosis (esvaziamento total) de qualquer tipo de poder cultivado em seu interior incompatível com a sua verdadeira vocação cristã. Assim, ela deve perseverar na Fé e manter-se pura diante da tentação de prostituir-se com poderes partidários egoístas e mesquinhos, perdendo a única autoridade conferida por Deus a si: que é a de ouvir, servir, denunciar-profetizar e, se preciso for, colocar-se no lugar de quem sofre e morrer com os que morrem.

Se muitos falam de unção como poder, poucos falam de poder como unção para servir. Linhas “carismáticas” extremadas são dadas como o modelo ideal de povo de Deus em quase todas as igrejas do nosso país, mas nem sempre as atitudes revelam a misericórdia e o amor revelados em Jesus de Nazaré. Diante do testemunho do Senhor não resistem argumentos: importa amar ou amar! Quem vive buscando mais poder para a Igreja nega a Graça de Deus que nela está. Quem vive esperando mais poder acaba tornando-se fraco e omisso diante do desafio que diante de si está por fazer. Para que servem igrejas avivadas em um mundo morto?

Acredito que a expectativa do mundo seja por uma Igreja muito mais humana e amorosa do que "avivada" e "poderosa". Acredito que o mundo deseje ardentemente aquilo que a Igreja tem recebido e que deve compartilhar consigo: a Graça de Deus transformada em Carisma Eclesial. Somos Igreja não porque merecemos ou decidimos, mas porque o amor de Deus está entre nós; é unicamente neste sentido que podemos pregar a "conversão de todos os povos" e imaginar uma Igreja: uma comunidade de irmãos dinamizada pelo amor gratuito de Deus e que se organiza conscientemente como fraternidade radical.

Poder não gostamos de repartir. Poder gera divisão entre nós: normalmente afasta, exclui e “cria” ungidos. Carisma aproxima e realiza!

Precisamos, por isso, de um novo avivamento que nos ensine a compartilhar a Graça de Deus em nós com o mundo. Precisamos de uma renovação espiritual constante que nos mantenha sempre abertos para o amor e para o serviço. Que nos ensine que o Poder de Deus não é outro que não o poder de amar e servir, isto é, o inverso do delírio paranóico de uma Grande Igreja Ultra-Poderosa. Nossa inspiração não pode ser fabulosa, sustentada na imagem de um deus onipotente. Nossa inspiração é concreta, revelada no testemunho do Deus poderoso no amor, que se fez fraqueza e sacrifício vivo em Jesus Cristo e que confiou na fraqueza dos homens tornada Igreja a sua Graça para salvar o mundo re-criando a Criação.

E é exatamente por isto que Deus não pode usar o poder da Igreja para salvar o mundo, mas apenas a sua fraqueza confessada.


* André Botelho é doutor em teologia (PUC-RJ) e professor do Seminário Cesar D'Accorso Filho (Faculdade de Teologia do Bennett). É pastor da Igreja Metodista em Jardim Oceânico (Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, RJ)


Profetas e profecias

Sobre profetas, profecias e rock nacional...

Rev. Antonio Carlos Soares dos Santos*

“Com tanta riqueza por aí...onde é que está? Cadê sua fração?” (Plebe Rude)

“Terceiro Mundo, se for...piada no exterior, mas o Brasil vai ficar rico, vamos faturar um milhão...quando vendermos todas as almas, de nossos índios num leilão!” (Legião Urbana)

Venha! Meu coração está com pressa...Quando a esperança está dispersa só a verdade me liberta...Chega de maldade e ilusão...” (Renato Russo)

(Isaías 1:17) - Aprendei a fazer bem; procurai o que é justo; ajudai o oprimido; fazei justiça ao órfão; tratai da causa das viúvas.

(Amós 8:6) - Para comprarmos os pobres por dinheiro, e os necessitados por um par de sapatos, e para vendermos o refugo do trigo.

(Miquéias 6:8) - Ele te declarou, ó homem, o que é bom; e que é o que o SENHOR pede de ti, senão que pratiques a justiça, e ames a benignidade, e andes humildemente com o teu Deus?

Nosso rock nacional está cheio de profecias! Como? Rock? Profecia? É verdade! Basta ler as letras das músicas das bandas de rock nacional que veremos o reflexo das profecias do Antigo Testamento. Exagero de minha parte? Não acho...é questão de interpretação e...profecia! A verdade é que no meio de tantos atos, danças, louvores e pregações proféticas...nos perdemos num turbilhão de “profetas”! Qual o último grande líder cristão/protestante que trouxe uma grande mudança na esfera social?Posso estar enganado, mas foi Martin Luther King. Depois dele, a igreja se calou! Calou mesmo...não há outro depois de Luther King que tenha influenciado a sociedade de maneira tão marcante! Martin Luther King foi um profeta na concepção literal da palavra! Reunia multidões não para shows, nem para mostrar força com quantidades...mas para revelar a Palavra de Deus tal como esta: O que me preocupa não são os gritos dos maus, mas o silêncio dos bons!

Atualmente vemos multidão, mas não vemos transformação...não vemos grandes profecias..profecias como de Isaias, Amós, Miquéias...Onde estão as denúncias? Onde estão as vozes que clamam no deserto? Cada vez mais vejo que nossas mensagens estão distantes daquilo que Jesus dizia...Hoje as pessoas escutam as pregações com a tranquilidade da mente de um bebê...não me diz nada...não me incomoda em nada. Tenho tentado me policiar para não cair nas mensagens vazias de conteúdo e elemento de conversão. Nas mensagens em que fala-se muito e não dizem nada, porque não tem nada a dizer! Estamos prendendo a membresia e trazendo outras por meio da “graça barata”...

Então me virei para o rock nacional e encontrei ali... “profecias”! Confesso isso arriscando tudo...posso ser tachado de “mundano”...mas...vou tentar seguir em frente. Cada letra cantada expressa indignação... um desejo de mudança...uma esperança...um convite para luta...uma denuncia consistente!

Nada de letras sem sentido algum para a maioria das pessoas, nada de Jesus saltando pelos montes como um cabrito eufórico ( que na verdade é uma passagem da qual nada tem a ver com Jesus)...mas fala a linguagem que quem passa entende...do jeitinho que Paulo recomendou aos Corintios (I Cor 14.23-25). Isaías devia ser um vocalista e guitarrista de banda de Rock...Miquéias baixista e Amós baterista...pronto! Poderiam cantar essas profecias pronunciadas nas páginas da Bíblia e aquecer nossos corações, encher-nos de coragem e ousadia...

A música brasileira foi o maior instrumento de resistência na época da ditadura...nos anos 80 foi a que mais denunciou a corrupção e o descaso das autoridades (in) competentes...Sabe de uma coisa? Podemos ter uma democracia firmada...mas as desigualdades são as mesmas! A corrupção é a mesma! Onde estão as vozes dos 30 milhões de evangélicos no Brasil? Não..não venham com essa história de imprensa, de Rede Globo... Quando a voz é alta não há que não ouça! A verdade é que estamos calados e vivendo um “ avivamento” anti bíblico, superstar, arrogante e voltado para nós mesmos! Queremos aparecer ao país da maneira errada...Lembram quando Gideão quis vencer os midianitas com 32 mil homens? Deus disse que era demais! Só trezentos bastava...trezentos que não se abaixaram como cães...trezentos que não eram medrosos.

(Miquéias 3:5) - Assim diz o SENHOR acerca dos profetas que fazem errar o meu povo, que mordem com os seus dentes, e clamam paz; mas contra aquele que nada lhes dá na boca preparam guerra.

O povo está pedindo paz! O povo pede mudanças! Não vamos nos iludir com os templos cheios porque multidão não é sinal de presença de Deus! Voltemos a nossa função profética: Denunciar e consolar! Estamos caindo no pecado da omissão...nossas vozes estão caladas nos templos e sufocadas no “jeito gospel de ser”. Jesus já advertia: E, respondendo ele, disse-lhes: Digo-vos que, se estes se calarem, as próprias pedras clamarão. (Lucas 19:40)

Enquanto isso, as “pedras” clamam cada vez mais alto:

A gente não quer só dinheiro a gente quer dinheiro e felicidade... a gente não quer só dinheiro a gente quer inteiro e não pela metade... (Titãs)

* Antonio Carlos Soares dos Santos é Pastor da Igreja Metodista em Altamira, PA

Os "novos" vendilhões do templo

Os “novos” vendilhões do templo

Rev. Antonio Carlos Soares dos Santos*


O programa de um famoso pastor estava começando. Eu, em frente a TV, observava negligentemente mais uma das repetitivas “atrações” do mundo gospel brasileiro. Nada de novo: músicas com letras parecidas, coreografias, show de luzes, em alguns momentos tive a ligeira sensação de que já tinha visto tal programação em outro lugar. Engano meu, o programa estava estreando naquele dia. Quando entrou o famoso pastor esperava que a mensagem fosse a salvação daquela espécie de “culto”. Mas, o “ungido” pregador leu um texto da Bíblia e depois apenas repetia as passagens lidas de forma emotiva e gritando...Algumas poucas pessoas choravam e por isso mesmo, a câmera fixava sempre nelas.


Algo passou a me chamar a atenção no pastor: suas roupas e sua insistente informação de que era “doutor em divindades”. As roupas eram claramente de valor alto! Os sapatos não eram encontrados em qualquer sapataria do Brasil! Até hoje não sei o que é um “doutorado em divindades”( e nem sei se quero saber!). Em seguida, para não fugir do modelo dos programas evangélicos na TV brasileira, o amado pastor, olhando fixamente para câmera, e com o semblante de espiritual, pediu contribuições para o seu programa e para seu ministério que percorre o Brasil e o mundo. Logo depois, surge uma propaganda que me deixou, digamos, admirado! A propaganda de um culto de Adoração em determinada cidade, e o narrador anuncia alegremente: Você pode comprar o ingresso antecipadamente com desconto! Mas corra, é por tempo limitado! Aquele foi o sinal para que eu mudasse de canal e ficasse o dia todo angustiado e até mal humorado.

Lembrei-me do episódio de Jesus e os vendilhões do Templo. Sempre imagino o rosto irado de Jesus ao chegar no Templo e encontrar vendedores e mercenários fazendo “negócios” com fiéis. Imagino Jesus derrubando bancas, chutando, literalmente, o “pau das barracas”. Não me lembro de outra passagem do Evangelho em que Jesus demonstrasse tanta raiva e indignação, nem mesmo com os irritantes fariseus. Ao que parece, para o Nosso Senhor, não havia nada pior do que a exploração da fé do povo.

O que pensaria ou o quê pensa Jesus a respeito de nossas caríssimas, conferências, convenções, seminários e agora, até mesmo, culto de Adoração? O que pensaria ou o quê pensa o Nosso Senhor dos shows emotivos e piegas onde se cobram ingressos para oferecer aquilo que deveria ser de graça? No lugar de pastores de ovelhas encontramos gerentes de Marketing! Escravos da estatística! Olhos que enxergam números e não vidas! Novos vendilhões do Templo! Mercadores da fé! Transformaram a Igreja de Jesus em um covil de ladrões e salteadores! Está em vigor hoje as novas vendas de indulgências para se alcançar o Reino dos Céus! “Venham, é a lei do Mercado Gospel! É a lei da oferta e da procura!”

O que dizer das mensagens pregadas? Onde estão as mensagens que dizem para amar os inimigos, oferecer a outra face, não julgais para não serem julgados, mas... Você está julgando, pastor! Sim, estou... Incluam-me nessa lista de desvio pastoral...Onde estão as mensagens de “buscar o Reino de Deus e sua justiça em primeiro lugar...” Chega de quebra de maldições, pois já foram quebradas no Calvário todas elas! Chega de promessas de bênção material! Chega de engano!!! Basta de vendas na porta do Templo! A Igreja do Senhor não é um circo e nem passarela de moda e de egos inflados!

Estamos precisando urgentemente de mulheres cananéias que aceitam até mesmo as que migalhas caem da mesa, de centuriões romanos que bastam ter a fé na Palavra simplesmente, de Zaqueu e Mateus, que devolvem em dobro o que roubaram e largam tudo para seguir a Jesus...Estamos precisando de Bartimeu, que não se cansa de clamar por Jesus mesmo quando impedido pelos discípulos, de Paulo, que saiba viver e louvar ao Senhor em qualquer situação, na fartura e na escassez...Estamos precisando de meninos e meninas que tenham apenas cinco pães e dois peixes e ainda assim queiram partilhar... Não precisa mais do que isso. O Senhor precisa de Pastores de Ovelhas e não de Mercenários egocêntricos.

Espero que esta mensagem sirva de alguma forma para edificar sua vida...pois ela vem de encontro com a minha.

* Antonio Carlos Soares dos Santos é Pastor da Igreja Metodista em Altamira, PA


O que está acontecendo?

O Que Está Acontecendo?

André Lotfi Maximiano

“O que está acontecendo com a Igreja Metodista hoje meu filho?” Minha mãe me questionou a respeito de toda a turbulência e mudança que vivemos no meio evangélico e principalmente metodista. Realmente sei o que minha mãe está sentindo. Apesar de manter a fé, me afastei um pouco da Igreja pois estava me sentindo sufocado pela instituição. Percebi que só poderia fazer diferença mesmo na Igreja local, e isso se a igreja local desse espaço para trabalhos que não sejam baseados em música. Eu acho que a Igreja metodista no Brasil está vivendo um momento de extrema confusão e falta de identidade seja pela quantidade de fiéis e clara necessidade expansionista ou seja pelos fundamentos fracos e pouco enraizados na comunidade local. Passa-se a participar de um culto às estrelas e às multidões e se esquece das comunidades locais, de regar as plantas, de ajudar nos sopões e de ensinar a palavra de Deus.

Nilton Bonder escreveu que nós temos a necessidade constante de estar entretidos, de nos sentir ocupados, como se estivéssemos fugindo de alguma coisa, como se precisássemos ocupar a nossa mente e não pensar em mudar a realidade que vivemos. Isso é muito presente na sociedade e nos indivíduos e se reflete diretamente na Igreja e sua atuação. Parece que temos que estar sempre cantando, louvando, e buscando a próxima explosão de fogos de artifício para preencher nossa vida, numa histeria coletiva. Fico triste em ver que a Igreja Metodista está se afastando do metodismo no Brasil. Parece que estamos sem identidade e que fazemos, pensamos e atuamos em tudo da mesma forma que todos os outros evangélicos sem lembrar de nossas raízes e sem olhar para o passado.

Sempre me orgulhei de ser metodista. De ter uma identidade, de fazer parte do grupo que pensava diferente, agia diferente e tinha um propósito cristão claro baseado no amor. Hoje, pela vontade de Deus e pelas correntezas da vida, moro em Chicago e tenho congregado na Igreja Metodista Local (United Methodist Church) e tenho que dizer que as coisas são bem diferentes.

A Igreja aqui é extremamente ativa. Participa de projetos de construção de casas, manda adolescentes para evangelizar em regiões pobres dos EUA, dá aulas de inglês para imigrantes, contribui com a prefeitura em eventos eclesiásticos e ecumênicos, e etc., mas em tudo o senso de comunidade e de identidade são presença constante e fortíssimos. É como se todos soubessem de onde vieram e para onde vão, e a identidade cristã e metodista é o que ajuda a sempre apontar a bússola para o norte espiritual.

Tem sido muito bom congregar aqui, pois existe atenção aos detalhes, à comunidade, ao ritual, e às pessoas principalmente. Não me sinto como um número ou mais um “João na multidão” cantando as músicas das rádios evangélicas e chorando com o coração contrito na hora que o grupo de louvor dá a deixa. Apesar de conservadora, vejo que eles atuam com muito mais foco e resultado nas comunidades ao redor do que a Igreja Metodista no Brasil. Apesar de conservadora, vejo que eles atuam com muito mais foco e resultado nas comunidades ao redor do que a Igreja Metodista no Brasil. É claro que estamos É claro que estamos falando de igrejas em economias altamente desenvolvidas (com Igrejas com ar condicionado, carpete e bancos acolchoados) mas a atenção e o senso de comunidade que não temos no Brasil é o que mais me surpreende aqui.

Acho que o meu "wake up call" aconteceu quando fui a um congresso da Igreja Metodista 15 anos atrás e foi feita uma palestra sobre planejamento estratégico da Igreja. Nada errado com fazer planos, mas fiquei boquiaberto e pensei "daqui a pouco vamos estar falando de dividendos, lucratividade e ROI". Esses conceitos são válidos, mas apenas quando olhamos as pessoas como “mercado em potencial”. Fiquei sabendo também que vários grupos de louvor de várias igrejas metodistas no Rio de Janeiro estão gravando CDs e fazendo contratos de distribuição. Realmente o palco, quer dizer o púlpito pode ser usado como arma e como plataforma de distribuição de mercadorias e isso nos distancia cada vez mais do proposito original da fé.

Onde está aquela Igreja engajada que cuida dos seus? Que mantém sua visão no alvo, ou seja aqueles que não tem outro recurso a não ser acreditar? Onde esta aquela igreja que deveria ser não um hospital, mas um oásis de sanidade e amor em contrapartida ao que o mundo acredita hoje? Não sei. Desencantei, mas sei que a instituição é bem diferente do movimento e minha fé está mais forte do que nunca, especialmente por todas as situações que passei na vida e por saber que o nosso único propósito na vida é dar louvor ao nosso criador.

Sempre quis viver uma vida cheia de experiencias, por isso nunca disse não a oportunidade nenhuma que passou na minha frente para poder ver o mundo. Por isso cá estou e não sei onde estarei amanhã. Afinal de contas só levamos da vida as experiências e o amor, certo? No final só o amor importa, nada mais. O amor que é fruto da fé e da nossa visão de mundo, forjada nas comunidades onde crescemos e onde fomos ensinados e educados. Dou graças a Deus por pessoas como minha mãe, Maria Luiza Lotfi, minha tia Abigail da Cunha Braga, Zélia Constantino e o Reverendo Paulo Ayres, que realmente e diligentemente souberam transmitir o senso de comunidade cristã, de amor fraternal e de responsabilidade em minha vida, me dando ferramentas para poder trilhar o meu próprio caminho segurando a mão de Deus.


Movimento de Metodistas Confessantes

Movimento de Metodistas Confessantes

Por: Jaider Batista da Silva


Sou agradecido por ter sido incluído na proposta de compor o movimento de metodistas confessantes. É desafio imenso, dado que tomamos de empréstimo o testemunho da Igreja Confessante, movimento dos (as) que não se dobraram à aquiescência da Igreja Evangélica da Alemanha ao nazismo. Portanto, entendo que o primeiro critério de participação deve ser o da disposição ao testemunho.

Dar testemunho em tempos de obscurantismo e autoritarismo, de rejeição ao esclarecimento, de recusa à transparência, implica declarar que “Deus é Luz e não há nEle treva alguma”. Implica assumir o princípio republicano de que tudo o que não for compatível com a luz do dia atenta contra o interesse geral. Implica denunciar o obscurantismo não apenas como fanatismo, sua face mais declarada e menos perigosa, mas, principalmente, como a proibição do dissenso. Na afirmação do (a) outro (a), do dissenso como necessário à saúde do corpo eclesial, na recusa a reduzir o (a) outro (a) a espelho de nós mesmos (as), firmamos nossa unidade. Não ouvi do bispo Paulo Ayres, mas ouvi que esta metáfora é dele: a noção de equilíbrio, cara ao metodismo, nada tem a ver com a balança com os pesos justapostos. Tem a ver com o trapézio e a corda do circo – o equilíbrio não como ponto de descanso, de segurança, mas de tensionamento permanente e contínuo, de movimento e criatividade.

Somo-me ao movimento (melhor que grupo) a partir do protestantismo liberal, promotor da razão e da crítica, muito caro em minha formação e definidor da minha visão de mundo. Somo-me, no entanto, a todas as pessoas sinceras e de boa vontade, de origem diferente na mesma Igreja que nos acolheu um dia: pietistas, puritanos (as), crentes pentecostais entregues aos dons espirituais e às experiências que eles propiciam, carismáticos (as), da tradição litúrgica, da transformação social, da denúncia profética, da luta por justiça no mundo.

Recuperar o dissenso na experiência e a unidade na vida comunitária e nos propósitos é o único compromisso que assumo por saudade. Nós, metodistas, sempre fomos do dissenso na experiência, do pluralismo no pensar, mas nos reconhecíamos intensamente na vida comunitária e na disposição de caminhar juntos (as). Não tenho nenhuma dificuldade de caminhar junto com irmãos (ãs) metodistas de experiência de fé diferente da minha. Entendo que o corte em nossa Igreja não passa por nossa experiência, mas por nossos compromissos íntimos ou pela falta deles. Ao lembrar Umberto Eco, que nos convida a não sermos tolerantes com os (as) intolerantes, confesso a impossibilidade de caminhar com oportunistas, corruptos (as) e corrompedores (as), desonestos (as), autoritários (as) e personalistas. São os (as) que têm carcomido de modo nefasto nossa vida eclesial e são oriundos das mais diversas experiências na Igreja, de liberais a carismáticos (as), homens e mulheres. Em comum, a fazê-los funcionar juntos (as), têm a esperteza mundana, a apropriação do espaço público da Igreja como ambiente particular de mando e manipulação, domínio do aparato eclesiástico par fins escusos, não-publicáveis, para a censura ao diferente, tudo baseado na descrença íntima e inconfessa na Igreja como servidora do Senhor e dispenseira da graça de Deus. A Igreja, para eles (as) virou “aparelho”, tomada de assalto como correia de transmissão de interesses outros. Por eles (as) temos de assumir como conduta “amar os (as) inimigos (as) e orar pelos (as) que vos perseguem”.

Entendo que é necessário recuperar a Igreja como comunidade que propicia às pessoas mudança de vida, mudança ética estrutural, comunidade que crê no poder do Evangelho de virar a vida das pessoas pelo avesso e, assim, definir condições melhores para elas e para as gerações que seguem. Temos perdido isso. Temos banalizado o perdão. Líderes inescrupulosos (as) abusam espiritualmente de pessoas e comunidades inteiras e depois, quando descobertos (as), preparam sessões espetaculares para o pedido de perdão midiático, com holofotes, choro, palmas da platéia. O artificialismo não muda a vida das pessoas. A graça não é barata, como dizia o confessante Dietrich Bonhoeffer ou como aprendemos de Jesus “a quem muito foi dado, muito será cobrado”.

Tem sido comum, neste momento difícil da Igreja, fazer-se uso da frase de J. Wesley sobre a razão porque Deus levantou os (as) pregadores (as) metodistas, citando-a parcialmente: “para reformar a nação, em especial a Igreja, e espalhar a santidade bíblica sobre a terra”. A frase deve ser recuperada na sua inteireza, pois fará mais sentido agora: “não para formar uma nova seita, mas para reformar...” (* What may we reasonably believe to be God’s design in raising up the Preachers called Methodists? Not to form any new sect; but to reform the nation, particularly the Church; and to spread scriptural holiness over the Land.” Works VIII, p. 299).

Penso que em meio a todo o exercício do convívio eclesial é essencial não deixarmos que nas comunidades suprimam a mesa de santa ceia aberta a todos (as), a começar pelas crianças. É a face mais pública da nossa abertura como Igreja e de nossa recusa a sermos seita. No mesmo rumo, não podemos perder de vista a razão missionária de nossas instituições educacionais.

Há muita gente que deseja ver nossa Igreja envolvida em grandes projetos para ter estações de televisão e rádio, mas devemos encarar que ela já dispõe de uma rede de universidades, centros universitários, faculdades e colégios com igual ou maior capacidade de exercer influência social. Não temos televisão, mas temos a rede de educação que, com todos os problemas, é a mais consolidada, qualificada e influente de todas as igrejas evangélicas do país.

As IMEs devem ser vistas como vasos comunicantes entre nossa Igreja e a sociedade brasileira. Devem ser bem mais que um negócio. A educação para nós, metodistas, é meio de graça. Por meio dela Deus age na vida das pessoas e as abençoa, muitas vezes apesar de nós.

As IMEs ajudam nossa Igreja a não se comportar como seita, ao estabelecer relação entre ela, minoritária, pequena, ainda meio estrangeira, com a sociedade abrangente. São espaços de arejamento, de capacitação permanente de lideranças para a Igreja e para a sociedade. Há algum tempo, dirigentes da Igreja a têm levado a estabelecer com as IMEs relação venal. Em vez de mantenedora, a Igreja Nacional e algumas regiões são mantidas pelas IMEs. Em vez de oferta do altar, mensalidade de estudantes. Em vez de agências missionárias, espaços de promiscuidade.

Paul Tillich definia o (a) falso (a) profeta (isa) como aquele (a) que vendo um muro com rachaduras decide pintá-lo e dá-se por satisfeito (a). Entre confessantes, devemos defender o princípio bíblico e doutrinário do sacerdócio universal de todos (as) os (as) crentes, como antídoto para o culto à personalidade promovido por pastores (as) e bispos que comportam-se como gurus, reduzem a participação leiga à obediência cega e submetem comunidades inteiras ao abuso espiritual. Deve ser antídoto também para a tentação ao governo episcopal despótico.

É preciso relembrar que o metodismo é conciliar, conexional e até episcopal. Nessa ordem.

Em muitos lugares mundo afora o metodismo não é episcopal (Inglaterra, igrejas do esforço missionário inglês e outras como a do Uruguai aqui perto), mas defende o princípio de que o poder na Igreja é exercido a partir dos concílios e que as igrejas devem viver em conexão.

Não é o episcopado que une o metodismo universal. Nos países em que compusemos Igrejas Unidas a primeira coisa de que aceitamos abrir mão é do episcopado. Muito se tem falado e escrito a indicar que o nosso concílio geral mais recente tornou o episcopado mais forte. O que faz uma instituição ser forte são as pessoas que a encarnam. O episcopado não é palavra mágica que tornará forte quem é fraco ou tornará exemplar quem tem conduta reprovável. Preocupa ver que a idéia de episcopado vitalício há muito ronda nossos concílios. O mais recente resolveu de forma leniente, culposa, dar a bispos sem voto o título de bispos eméritos.

Pareceu vergonhoso ser pastor, humilhação voltar à igreja local, quando tudo deveria se legitimar a partir da igreja local. Em vez de bons pastores após um tempo de episcopado, na legítima alternância que a vida republicana exige, bispos eméritos. Falacioso. Houve quem saísse a buscar argumentos a um suposto múnus episcopal, como se o episcopado para nós fosse ordem, como se crêssemos que desde Pedro, apóstolo, o episcopado tem se perpetuado em linha de sucessão.

Lembremos: para nós metodistas a ordem é presbiteral e o episcopado deve ser o humilde exercício extraordinário do presbiterato. Para o bem da Igreja, da democracia interna, é importante termos uma ordem presbiteral forte, bem formada, valorizada e, no essencial, coesa. Episcopado é condição temporária e especial e a depender da continuidade dos abusos, pode vir a ser tomado como excrescência, superfluidade.

Se quisermos ser sal da terra e luz do mundo, precisamos enfrentar as questões do mundo atual, sermos testemunhas nele, porque Deus o amou de tal maneira... (João 3.16). Para isso, é necessária firme defesa dos Direitos Humanos, ampliando o espaço de atuação das mulheres na Igreja e fora dela, mesmo que por constrangimento das cotas, não tergiversando no “amar as pessoas e com elas caminhar até as últimas conseqüências” (Credo Social) e seguindo o único ponto de consenso da Igreja no seu primeiro concílio, o de Jerusalém, na versão de S. Paulo aos (às) Gálatas “e não nos esqueçamos dos pobres”.

Em um mundo em que o mapa das guerras e conflitos armados ainda indica serem as religiões organizadas o maior fator de ódio entre os povos, o ecumenismo é o espaço, também conflitivo, de afirmação e busca da Paz. Não é apenas apelo à unidade cristã. Temos de ser honestos (as): precisamos do ecumenismo como afirmação da recusa das religiões a continuar a espalhar o ódio. Há muita gente pronta a morrer por Deus em todas as religiões. O futuro da humanidade passa por pessoas dispostas sinceramente a viver por Deus e em Deus. O ecumenismo é o terreno comum para essa superação, no perceber que Deus não é patrimônio de ninguém e não se permite tornar da pertença de um grupo.

Nas comunidades locais, precisamos anunciar, na fidelidade a Jesus, que “o que vier a mim, de modo nenhum lançarei fora” em vez de seguirmos, sem compaixão, orientações episcopais desamorosas e vexatórias para segregarmos maçons e nos posicionarmos contra o projeto de lei que torna crime a homofobia, do que se deduz que o Colégio Episcopal considera que a Igreja deve se calar em um país em que a taxa de assassinato seletivo de homossexuais é das mais altas do mundo. Quando leio Stanley Jones, encontro narrativa de como metodistas e outros (as) cristãos (ãs) na Índia arriscavam suas vidas para seqüestrar mulheres viúvas que seriam mortas na cerimônia fúnebre de seus maridos, conforme a tradição em determinados lugares mandava. Não podemos ser reféns da cultura, como não podemos ser reféns do mercado nem de conveniências de momento.

É conveniente o CE aceitar pressões moralistas e somar-se à homofobia que faz pessoas matarem e humilharem o (a) semelhante e mantém impunes pais e irmãos que submetem filhas e irmãs lésbicas a estupros corretivos. Quando assim agem, bispos, bispa e nossos (as) representantes na Cogeam escondem seus medos pessoais e apequenam-se em seus oportunismos eleitoreiros. Enquanto isso, o Congresso Nacional, de tão poucos méritos, discute o assunto: “se vós não clamardes, as pedras clamarão”.

No mais, entre nós, para que o movimento cumpra seu propósito, precisaremos de muita generosidade. A generosidade mútua que permite encarar os escritos e manifestações de cada um (a) como se partissem de coração sincero até prova em contrário, e ser paciente com as ansiedades manifestas e assim por diante. É apenas o primeiro passo de um longo caminho, que nada terá de fácil. No que conflitarmos, poderemos trazer à mente a orientação wesleyana de que “o amor e a verdade tendem a caminhar juntos, mas se em algum momento parecerem conflitar, fiquem com o amor”. Ao ficarmos com o amor, sobreviveremos ao conflito de potencial fratricida e poderemos até nos encontrar de novo com a verdade, que não depende de nossa defesa e de nossas guerras para existir.

Precisamos entender que há muito mais em jogo que a ordem do culto nosso de cada domingo. Deus, em sua misericórdia, decerto, acolherá o karaokê evangélico a que se reduziu boa parte de nossos cultos, se partir de gente honesta, de coração limpo, (des)orientada por seus (suas) pastores (as). O culto não é para nós, é para Deus. Mesmo que não nos agrademos, se for expressão sincera de indivíduos e da comunidade, não caberá a nós fazer juízo. Posso não conseguir acompanhar, posso parecer estátua em culto em que todos fazem polichinelo, mas não é por recusa, mas por entender que se eu acompanhar será artificial, oportunista, e não expressará minha relação com Deus (que é frágil, mas é preciosa para mim). Tenho necessidade dos credos, das antífonas, de muitos hinos, do coral, do café depois do culto. Fico encolhido diante dos abraços forçados pelo dirigente, das mãos sobre a minha cabeça de alguém que resolveu mandar Deus me abençoar. Apavoram-me gritos do pregador, exaltação do dízimo e das exigências financeiras para vaidade e não para o cuidado do próximo, falta da referência nas Sagradas Escrituras como medida para a vida, receituário de auto-ajuda no sermão, duas horas de louvor, a desvalorização do estudo bíblico, da escola dominical, da visitação e de tudo que lembre a disciplina evangélica.

Por fim, sou grato por ser membro de uma comunidade (Santa Helena – Governador Valadares) e participar em outra (Izabela Hendrix – BH) nas quais não sou submetido a nada do que declarei de pesadelo. Por isso, tenho mais dever em cuidar delas e valorizá-las. Bem caberiam nesses tempos, como comunidades confessantes: “sede firmes, inabaláveis e operosos na obra do Senhor” e “não vos canseis de fazer o bem”.

Jaider Batista da Silva

Confessante, com a ajuda de Deus.

Fonte:

Blog Metodistas & Ecumênic@s
"...que todos sejam um ... para que o mundo creia" (Jo 17.21) Este é um espaço de comunhão, reflexão e fomento ao debate a respeito da participação ecumênica dos metodistas e da Igreja Metodista.