quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Ao mestre, com carinho... Vida e obra de Elias Boaventura


Por Almir de Souza Maia (*)

“Tudo bem, se melhorar estraga”. Essa expressão era conhecida e cantada em verso e prosa pelo Prof. Elias Boaventura, que recentemente nos deixou, mas cuja vida e contribuições permanecem conosco. É mais uma expressão, entre outras que ele utilizava no cotidiano, como que passando sua própria filosofia de vida e trabalho que marcou a todos quantos com ele conviveram. Ele era dessas pessoas cativantes, amiga, amorosa e todos gostavam de estar ao seu lado para admirar e perceber sua forma diferente de viver e interpretar a vida. Os que conviveram com ele podem avaliar a profundidade dos sentidos que ele transmitia na sua forma simples de comunicar. Este é um depoimento entre tantos que estão sendo escritos após o falecimento do Mestre Elias ocorrido em sete de janeiro passado, não chegando a celebrar seu aniversário que ocorreria em vinte e oito de janeiro.

Portador de sabedoria impar, afirmava ser necessário viver não de forma instalada e passiva, mas com exposição aos conflitos. Não apreciava a acomodação propiciada pelas zonas de conforto, trabalhava na perspectiva da complexidade. Para ele as coisas e os processos tinham que ser tratados no contexto da realidade e necessidades humanas. Afirmava, por isso, que “atrás de morro tem morro” - outra frase curta usada pelo professor e que traduz sua maneira de enxergar a vida e ensinar. Estimulava os processos de crise por acreditar que os conflitos e a explicitação do contraditório ajudavam as pessoas e as organizações a crescerem.

Explicitou essa forma de viver concretamente durante o período em que foi Reitor da Universidade Metodista de Piracicaba (1978/1986). Pessoalmente, tive o privilégio de ser o seu Vice-Reitor, ao seu convite, durante mais de sete anos e posso testemunhar sobre uma convivência de quase quatro décadas com o Prof. Elias. Nessa convivência, senti bem de perto a sua coragem, o que ele representava para a educação e sua preocupação com a inclusão social, democracia, justiça, equidade, daí a sua vida a serviço dos “sem-voz” e sua militância nos movimentos e processos de libertação social no contexto brasileiro. A sua visão de educação destoava absolutamente do senso comum, sobretudo em um período da história política do país em que ele se envolveu para mudá-la.

Enquanto Reitor trabalhou uma proposta de “universidade alternativa” e crítica, que fosse além da educação de manutenção, para dentro e reprodutora do modelo vigente. Propunha uma educação para fora e como instrumento de transformação das pessoas para a vida. Dizia que a sala de aula tradicional não contribuía para essa transformação, afirmação difícil de ser entendida e aceita pela comunidade acadêmica, mas que encerrava a perspectiva crítica e dialética que trazia da educação. Assim, trouxe para dentro da Universidade o debate das grandes questões sociais, quase sempre distante do mundo universitário. E a UNIMEP, como sabemos, foi espaço dessa experiência praticamente inédita na universidade brasileira. Certamente, ele não foi entendido na época e somente mais tarde sua ideologia pôde ser mais bem processada e até aceita. A UNIMEP é depositária dessa herança: Prof. Elias e o coletivo plasmaram a identidade de vanguarda que a caracteriza no cenário educacional.

A visão e atuação progressistas do professor não agradavam a “segmentos reacionários da Igreja”, como ele dizia, e recebeu deles resposta contrária ao que se dizia e praticava na UNIMEP, de acordo com as “Diretrizes para a Educação na Igreja Metodista”. Sua postura crítica e socialista incomodou segmentos da Mantenedora e acabou culminando, em 1985, com uma intervenção desastrosa na Universidade, a qual reagiu para garantir a sua autonomia. Esse fato se tornou conhecido como “janeirada”, uma crise sem precedentes na história da educação metodista no Brasil. O Reitor Elias foi demitido de suas funções e o mesmo também aconteceu comigo, seu Vice-Reitor. Em defesa da autonomia universitária, ele foi protagonista de um movimento que contou com o apoio integral da comunidade da UNIMEP e garantiu a retomada da normalidade institucional. Esse movimento foi suficiente para instalar na Universidade uma postura de defesa da autonomia universitária, à frente da qual ele sempre esteve, em constante vigilância. Mais recentemente, no final de 2006 e em 2007, a UNIMEP novamente teve a sua autonomia ameaçada por decisões do Conselho Diretor. O Ex-Reitor Elias Boaventura, junto com outros ex-dirigentes e segmentos da comunidade universitária, mais uma vez, pôde contribuir com sua experiência em um momento complexo da vida unimepiana. Esteve ao seu lado, refletiu, fez mediações, escreveu vários artigos sobre a maneira inadequada da Igreja encaminhar as questões na sua relação com a Universidade. Em meio a esses momentos tensos e complexos, o Prof. Elias continuava afirmando: “Tudo bem, se melhorar estraga”.

Ele estudou no Instituto Granbery, em Juiz de Fora, Minas. Durante seis anos foi aluno interno dessa tradicional escola metodista mineira. Amava a sua “alma mater”, que soube respeitar. Chegou a dizer: “... foram seis anos ótimos, aprendi muito como aluno”. Sem dúvida, a sua condição de granberyense foi celebrada em toda a sua vida. Sempre se manteve ativo e participou da Associação dos Granberyenses, entidade que congrega os ex-alunos e vai completar noventa anos. Em Piracicaba, criou, em 1995, o Setor Sudeste Paulista desta Associação do qual foi presidente. No último encontro do Setor, em agosto passado, Prof. Elias recebeu expressiva homenagem dos colegas granberyenses.

No Granbery ele era conhecido como “Trombone”, por causa de sua voz grave e mais por ser a voz de tantos estudantes que buscavam nele ajuda e apoio, especialmente quando em situação de injustiça e de crise. Assim, desde cedo ele trazia em sua vida o compromisso com o sofrimento do outro. Confirmando essa relação com sua ex-escola, em seus planos acadêmicos se preparava para o pós-doutorado na Universidade Metodista de São Paulo e o tema seria o Granbery, não por acaso.

Somos herdeiros e chamados a continuar essa bela história de vida de nosso mestre, com carinho...

(*) Reitor UNIMEP (1986/2002)
Presidente da AG - Setor Sudeste Paulista - 23/1/2012

sábado, 21 de janeiro de 2012

21 de janeiro: Dia nacional de Combate à Intolerância Religiosa

Combate à intolerância religiosa, compromisso de todos e todas!!!
21 de janeiro: Dia nacional de Combate à Intolerância Religiosa
 
Na última quinta, dia 19 de janeiro, muitos ficaram surpresos com o artigo do renomado escritor Luis Fernando Veríssimo publicado nos grandes jornais do país. Pois ele usa mais da metade de seu espaço semanal para pedir desculpas aos seguidores da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (SUD), conhecidos popularmente como mórmons.

A louvável atitude de Veríssimo foi uma resposta aos diversos leitores que o corrigiram sobre as práticas daquela religião. É que na semana anterior ele escreveu em tom sarcástico que caso Mitt Romney, seguidor da Igreja Mórmon e candidato à presidência dos Estados Unidos, vencesse as eleições, os americanos experimentariam a novidade de observarem três ou quatro primeiras-damas transitando na Casa Branca. Não sabia ele, que esta prática da poligamia foi descontinuada por esta Igreja há mais de um século e, segundo as suas “Regras de Fé”, o membro que adota “casamento plural” é “excomungado”.

Veríssimo ao se redimir publicamente reconhece sua ignorância no assunto e diz “meu erro de mais de cem anos foi imperdoável, mas peço perdão assim mesmo. Não se repetirá. Gravarei com brasa na testa, para nunca mais esquecer: informe-se antes de dar palpite”.

Infelizmente, nem todos os casos de pessoas e instituições agredidas por questões religiosas terminam desta forma exemplar. Recentemente o apresentador José Luiz Datena, da TV Bandeirantes, foi obrigado pelo Ministério Público Federal a se retratar por ter dito, no auge de seu furor “jornalístico” ao relatar mais um caso de violência, que aquela atrocidade só poderia ter sido cometida por um “ateu”, “uma pessoa sem Deus no coração”. Desta forma, rotulou as pessoas que optam por não seguir crenças e instituições religiosas como as mais inclinadas ao mal, à crueldade, ferindo a liberdade de consciência e de crença no Brasil.

Ainda constatarmos em nossa sociedade a existência da intolerância religiosa, quando pessoas e instituições agem com violência e desrespeito com quem tem prática de fé “diferente”. O fato da formação colonial do Brasil ter sido baseada num cristianismo imposto, que se tornou a “religião da maioria”, incita e reproduz a demonização e a perseguição das religiões “não-cristãs”, principalmente às de matrizes africanas. Outro cenário vergonhoso é o de disputa “mercadológica” entre igrejas, que vêem seus fiéis enquanto “clientes”. Por outro lado, estes fiéis buscam apenas “consumir” milagres, curas, conforto efêmero para as angustias do dia-a-dia. Também é preciso citar as perversidades da violência “intra-religiosa”, quando fiéis são perseguidos dentro de sua igreja/religião por líderes que anseiam maior estabilidade para exercício de seu mandato, visando mantê-lo por fatores econômicos (ex.: conforto, status, etc.) e ideológicos (ex.: disputa de projeto de futuro para a instituição).

Logo, quando casos como os trazidos no início vêm à tona, é um grande ganho. Pois desestruturam o “mandamento” social que diz que “religião não se discute”. Argumento que sempre empurrou para baixo do tapete cotidiano às inúmeras ocorrências de violências motivadas por fé, religião ou crença.

Assim também veio à tona o caso da sacerdotisa Gildásia dos Santos e Santos, Ialorixá do terreiro Axé Abassá de Ogum, em Salvador/BA, carinhosamente conhecida como Mãe Gilda. Em 1999 ela teve uma foto sua usada de forma depreciativa pelo periódico Folha Universal da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). Depois de idas e vindas aos Tribunais em busca de justiça pelas ofensas que sofreu e de ter seu terreiro invadido e depredado, Mãe Gilda não resistiu e faleceu por complicações cardíacas no dia 21 de janeiro de 2000. Somente em 2009 saiu o resultado da ação na Justiça, sendo a IURD condenada a indenizar os familiares da sacerdotisa.

O Dia Nacional de Combate a Intolerância Religiosa, comemorado no dia 21 de janeiro, oficializado pela Lei nº Lei 11.645, em 2007, é uma homenagem à Mãe Gilda e um sinal de que a luta contra a intolerância religiosa merece ser divulgada e ampliada para toda a sociedade. A religião que na virada do século passado esteve condenada à indiferença, revigora-se no século XXI enquanto pano de fundo de tensões e conflitos e, ao mesmo tempo, plataforma possível de encontros e diálogos.

A dimensão pública da relação com o sagrado e o pluralismo religioso estão presentes na TV, na escola, no trabalho e já é comum encontrarmos nas casas pessoas da mesma família convivendo com variadas pertenças religiosas. Eis o mundo estilhaçado que nos apresenta o antropólogo Clifford Geertz. Logo, precisamos consolidar, avançar, refazer o conceito da diversidade religiosa enquanto coexistência de religiões, espiritualidades e até mesmo não-crenças numa relação social de reconhecimento do direito, do valor e da legitimidade das diferentes manifestações e experiências. Caso contrário, correremos o risco de viver numa sociedade na qual a ameaça mora ao lado ou conosco, agarrado aos estilhaços e vociferando conter em suas mãos toda a verdade.

Apresentamos como valiosa e merecedora de estudos a experiência do Comitê Inter-religioso do Pará que há mais de quatro anos vem reunindo mais de vinte entidades (religiosas, políticas, acadêmicas, etc.) em cooperação, atuando em apoio aos movimentos sociais, elaborando subsídios para organizações populares e promovendo visitas e celebrações inter-religiosas.

A vivência de aprendizado mútuo entre pessoas de religiões diferentes, como noComitê Inter-religioso do Pará, buscando pontos de encontro e de ação conjunta em torno das infinitas formas de manifestação do “Sagrado”, do “Misterioso”, do “Inefável”, faz lembrar as palavras do escritor uruguaio Eduardo Galeano ao narrar a primeira vez que uma criança viu o mar. Após subir cansativas dunas de areia, a criança olha lá de cima o mar com toda aquela imensidão, fulgor e beleza. O deslumbramento é tanto diante daquela maravilha surpreendente que quando finalmente consegue falar, ainda tremendo, gaguejando, só consegue pedir “amigo/a, me ajuda olhar!”.
 
Tony Vilhena
Cientista social, especialista em ciências da religião
Belém/PA
Comitê Inter-religioso do Pará

Terceiro Ato de Combate à Intolerância Religiosa. 

Dia 22 de janeiro de 2012, domingo, às 9h, na Praça da República, Belém/PA.

Originalmente publicado aqui.



quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Carta @s Confessant@s em 2012



Querid@s Confessant@s,
Que a paz, o amor, a justiça e a temperança reinem entre nós por mais esse Ano que se faz Novo.
Agradeço as manifestações de carinho sobre minha ausência na Rede. Mas após o 19º Concilio, tive que refrescar o espírito.
Muitas conversas e mensagens importantes circularam no grupo no último período de 2010, dentre elas destaco:
1) O testemunho de Cibele sobre a existência de um grupo de amig@s d@s Confessant@s, do qual o sobrinho dela faz parte;
2) A formatura do Francisco Thiago e seu Testemunho sobre o papel da Rede Confessante em sua vida;
3) O Texto: Eleição de bispos: sem discussão e sem debate? Por Roberto Pimenta – Disponível em
http://metodistaconfessante.blogspot.com/2012/01/eleicao-de-bispos-sem-discussao-e-sem.html
4) O texto: Ainda sobre a matéria “Eleição de bispos: sem indicação e sem debate?” Escrevem os leitores – Por Robson Louzada Teixeira – Disponível em
http://metodistaconfessante.blogspot.com/2012/01/ainda-sobre-materia-eleicao-de-bispos.html
5) O adeus do Elias Boavetura;
6) E, por último, as discussões sobre a continuidade do movimento confessante.
Quero, inicialmente, lembrar de 2 Timóteo 3:12-16:
Ora, todos quantos querem viver piedosamente em Cristo serão perseguidos. Mas os homens perversos e impostores irão de mal a pior, enganando e sendo enganados. Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste e de que foste inteirado, sabendo de quem o aprendesse e que, desde a infância, sabes as sagradas letras, que podem tornar-te sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus. Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeitamente habilitado para toda boa obra.
Nesse ano entramos no 6º ano da existência d@s Confessant@s e é incrível, como às vezes, de modo até bonito de se ver, caímos na inocência de acharmos (inclusive eu mesma) que provocaríamos mudanças imediatas. Quando lá no início, definimos o slogan Consolidar, avançar e agir na busca pela valorização da identidade metodista, já estava implícito o caminho longo, difícil e contínuo que teríamos pela frente.
Nesses anos, temos presenciado exemplos e testemunhos de resistência entre @s Confessant@s e também de não-confessant@s pelo Brasil. A comunidade de Belém, Bela Aurora, o jornal Tribuna Metodista, os vários textos que circulam na internet e as comunidades virtuais voltadas a discutir o metodismo, é uma clara evidência que não estamos tão sozinhos, como pensávamos há alguns anos atrás. É até possível que a Rede Confessante tenha contribuído para motivar que as pessoas, inclusive os jovens pelo Brasil, expandissem as avaliações e a troca de idéias sobre o que vem ocorrendo na igreja hoje. Por outro lado, percebe-se hoje um descontentamento e uma crítica, mesmo que pouco verbalizada (por motivos óbvios), por parte do corpo pastoral. Ou seja, pelo silêncio é possível perceber o tamanho da critica, e não a apatia, como a gente às vezes pensa; o silêncio fala mais que mil palavras...
Creio que devamos, no ensejo da partida de Elias Boaventura, ler o que pudermos sobre sua trajetória e o testemunho sobre ele, em especial, vindo de seus alun@s. Foi uma vida, igualmente a de muitos “monstros” que estão no movimento confessante, que deixou um legado e uma gama de inspiração para tod@s nós. Dito isso, gostaria de dar a minha opinião sobre a continuidade do movimento confessante.
Creio que se tivermos a expectativa se ser “grande coisa” ou “coisa grande”, devemos segurar a onda. Aliás, o megalomaniasmo, por parte de alguns líderes, tem sido um dos focos de nossas criticas. Isso não implica, evidentemente, que devamos primar pela inoperância; como de fato não o temos feito. Todavia é preciso aceitar nossos limites históricos e relembrar que a situação eclesiástica de hoje vem sendo (des)construída há, no mínimo, quatro décadas. Evidentemente que o que dantes era marca do movimento carismático “virou” outra coisa. O que quero dizer é que nem carismatismo do passado sobreviveu intacto aos elementos estranhos e a formatação de igreja que hoje se vê.
A IURDização do metodismo, que parece só vem aumentando, indica que há um caminho longo e deserto pela frente. A ganância para aumentar a membresia e a adoção da terminologia “catedrais” para definir os templos maiores, tal qual faz o Bispo Macedo, é uma evidência disso. Mas as afinidades param por aí, já que a IURD NÃO tem se comportado como esponja, absorvendo coisas do G-12, caverna do Adulão, gaditas, etc, etc... Parece que a IURD tem construído sua “identidade” (mesmo que questionável), ao passo que a IM parece caminhar para a desfiguração de sua; constituindo-se numa igreja sem rosto. Pelo menos é a impressão que se tem daqui dessa parte do Brasil.
O Confessante e Doutor em Ciências da Religião José Carlos de Souza, em seu livro Leiga, ministerial e ecumênica: a Igreja no pensamento de John Wesley, lembra um pensamento do teólogo D. Elton Trueblood que dizia: “o problema mais difícil do cristianismo é o problema da Igreja. Nós não podemos viver com ela, e nós não podemos viver sem ela”. (p.12) Ao que José Carlos de Souza completa dizendo:
Alternam-se defesas inflamadas da instituição e protestos veementes contra ela. Alguns pleiteiam por reformas; outros preferem falar em renovação; e não poucos se opõem ferrenhamente a quaisquer mudanças. Enquanto novos modelos de igreja buscam maior funcionalidade em relação ao espírito da época, cresce o número de pessoas que, a despeito de se mostrarem religiosas de alguma forma, consideram as igrejas totalmente desnecessárias, quando não peças fossilizadas de um tempo que não há de voltar (p.12)
Parece que vivemos nesse vácuo: o da paixão a qualquer custo ou do divórcio da igreja. Nesse ínterim é preciso reconhecer a “significância” Confessante que está, penso eu, na capacidade de irmos tecendo redes, mesmo que a passos lentos; ou seja, irmos continuamente agregando pessoas e grupos preocupados com o (des)caminhar da igreja. Outra significância consiste em incentivar e motivar a prática da espiritualidade individual e familiar, em especial, frente a situações onde a freqüência nos cultos seja insustentável, ou ainda desprovida de sentido, conforme atestam relatos entre @s confessant@s. Em meio ao sofrimento espiritual individual por causa dos rumos de nossa igreja, não devemos perder de vista o nosso papel e o papel dela, enquanto de fato wesleyana: Leiga, ministerial e ecumênica, conforme aponta a belíssima obra de José Carlos de Souza:
“A Igreja existe para atender às necessidades humanas. Afinal, a vida cristã é inconcebível em isolamento, fora da experiência em comunidade. Mas a existência da Igreja também se explica pelo propósito de sua instituição, a saber, o cumprimento das leis de Deus, a realização de obras de misericórdia (alimentar quem tem fome, vestir quem está nu, visitar quem está enfermo ou na prisão, etc.) e obras de piedade (oração pública e privada, leitura e meditação da palavra, participação nos sacramentos e demais meios da graça, etc.). Muitas vezes, infelizmente, tais práticas são dissociadas umas das outras, porém ‘a igreja é um organismo vivo de piedade e de boas obras, nunca uma sem a outra, em serviço fiel a Deus e à humanidade’. Por essa razão, Wesley reiterou, inúmeras vezes, a importância dos meios da graça e se contrapôs, com veemência, às inclinações místicas, bem como à doutrina quietista dos morávios.” (p.31)
Que nesse ano que se faz novo, cada um/a de vocês sintam-se renovad@s pelo Espírito Santo de Deus para seguir enfrente e avante. Olhem para o que nos une; recordem das sementes plantadas, dos abraços dados e da espera gostosa que partilhamos antes de cada encontro presencial.

A Igreja somos nós e a luz de Cristo brilha em nós, aonde quer que estejamos. Alimentem-se da esperança, da bondade, da amizade e da fé. Na medida do possível, quando isso não machucar o espírito, freqüentem sua comunidade. Realizem cultos domésticos, estudem os sermões, cantem os hinos, orem juntos e dividam o pão e o vinho com alguém.
Finalizo com um testemunho: Aqui em casa, começamos a fazer devocionais com café da manhã com amigos. Iniciamos dia 25 de dezembro (veja foto da mesa com o No Cenáculo ao centro) e iremos até março. A idéia surgiu ao perceber, no final de ano, como as amizades estão virtuais e distantes do contato físico. Nesses 3 meses todo final de semana terá uma deliciosa mesa esperando amig@s para compartilhar o pão e a Bíblia. Fica a sugestão para que demais confessant@s façam algo parecido com irm@s mais próximos geograficamente, até que nosso próximo encontro presencial aconteça.
“O Senhor seja com o teu espírito. A graça seja convosco.” (2 Tm 4:22)
Com amor Confessante e em Cristo que nos chama para sua maravilhosa luz,
Maria Newnum – Maringá - 14/01/12

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Eleição de bispos: sem discussão e sem debate? Por Roberto Pimenta

No dia 14 de outubro de 2006 eu peguei o primeiro vôo pra São Paulo e do aeroporto de Congonhas segui para a Faculdade de Teologia, em São Bernardo do Campo. Fui, por conta própria, assistir ao último dia da segunda fase do Concílio Geral de 2006, cujo objetivo era concluir a pauta pendente da reunião ocorrida em julho, em Aracruz (ES).

Os relatos do que aconteceu naquela primeira fase do concílio me envergonharam como metodista. Discussões ríspidas, sessões que se prolongaram pelas madrugadas, denúncias de “esquemas” na eleição dos bispos... O Bispo Lockmann chegou a ser ofendido em plenário. Ele disse ao JV, após pregar no Dia do Vizinho em 27 de agosto: “Nunca fui tão desrespeitado como nesse Concílio Geral”.

Com todos estes antecedentes, o clima no auditório da Faculdade de Teologia era tenso. O último assunto seria a divulgação da decisão da Comissão Geral de Constituição e Justiça sobre um pedido de anulação da eleição dos bispos, realizada na primeira fase. Porém, antes disso, foram feitas, e aprovadas sob grande emoção, propostas para que os Bispos Josué Lazier, Geoval Jacinto da Silva e Stanley Moraes, não reeleitos em ocasiões anteriores, fossem agraciados com o título de Bispos Honorários. Estas decisões, surpreendentes, aliviaram um pouco as tensões.

Mesmo assim, o plenário ouviu, num silêncio nervoso, o voto dos seis componentes da CGCJ. Deu empate e o presidente, usando de suas prerrogativas, desempatou a votação, considerando válida a votação. Nas palavras que se seguiram, ficou claro que a decisão foi tomada a fim de se evitar uma crise sem precedentes na Igreja Metodista, mas também ficou nítida a advertência no sentido de que o que havia ocorrido na última eleição dos bispos não deveria se repetir.

Eu gravei todas estas falas e as transcrevi literalmente na edição 1.291 do JV (22/10/2006), dentro do texto de quatro páginas em que relatei o que ocorreu naquele sábado histórico. Infelizmente, parece que aquele duro recado, ouvido por um plenário em suspense, caiu no esquecimento, cinco anos depois.

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Na tarde do último dia 17, eu estava lá na Catedral Metodista de São Paulo, no bairro da Liberdade, mais uma vez por conta própria, para assistir à reunião extraordinária do Concílio Geral que elegeria o novo bispo para a Região Missionária da Amazônia, em função do falecimento do Bispo Adolfo.

Os dois primeiros escrutínios ocorreram tranquilamente, com destaque para os Revs. Nicanor Lopes (5ª. RE), com 49 votos no primeiro e 65 no segundo; Carlos Alberto Tavares Alves (1ª RE), com 41 e 49 votos, respectivamente; e Wesley dos Santos (4ª. RE), com 26 e 30 votos, respectivamente. Tal como no segundo, cada voto do terceiro escrutínio foi “cantado” pelo Bispo João Carlos, que presidia a sessão. Encerrada a “leitura” dos votos, mas antes da divulgação formal do resultado do terceiro escrutínio, o Rev. Wesley levantou-se, foi para o corredor à esquerda de quem olha para o púlpito e, virando-se para o plenário, fez o conhecido sinal de “fim de jogo”, cruzando as mãos na horizontal. O gesto foi repetido mais discretamente por outras pessoas do plenário. Um observador experiente, que não votava, me falou: “Viu o sinal? Os votos do Wesley vão “virar” todos para o Carlos Alberto da próxima vez”.

Então é divulgado o resultado do terceiro escrutínio: Nicanor 64, Carlos Alberto 60 e Wesley 24. Vem o quarto e último escrutínio. Tal como previsto pelo meu “observador”, sumiram os votos para o Rev. Wesley, que migraram, aparentemente quase todos, para o Rev. Carlos Alberto, que obtém 85 votos contra 68 do Rev. Nicanor.

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Não estou aqui contestando a eleição do Bispo Carlos Alberto. Na realidade, ele vem concorrendo há vários concílios e é bastante conhecido, entre outros atributos. Agora era a “bola da vez” (pra continuar na linguagem esportiva). Também não estou sendo inocente a ponto de ignorar que toda eleição, mesmo para bispo, é política, o que pressupõe algum tipo (legítimo) de negociação ou pressão. São por demais conhecidas as negociações e conflitos que ocorrem nas eleições para Papa, para ficar num exemplo clássico.

Duas coisas, porém, me surpreenderam. Em primeiro lugar, os gestos escancarados, nada sutis, para marcar a “virada”. Um cochicho, ou um gesto discreto, no melhor estilo dos políticos mineiros, seria no mínimo mais elegante. Em segundo, a aparente obediência cega à ordem de “virada”. Os delegados do Concílio Geral não são políticos que estão sujeitos à “fidelidade partidária”. Na realidade, por mais forte que pareça o termo, essa obediência me remete ao famoso “voto de cabresto” de triste lembrança de nossa política, no qual os eleitores ignorantes votavam no candidato indicado pelo “coronel”, por medo ou em troca de pequenos favores.

Ainda no plenário, com aquelas cenas na cabeça, fiquei pensando: até que ponto as delegações “pensam e deixam pensar”? Um exemplo claro está na ata da reunião da delegação da 1ª. RE realizada em 3 de dezembro passado, onde está declarada explicitamente a “decisão da delegação em fechar em um nome” [da Região] para a eleição a ser realizada.

Essa decisão traz outras consequências. Por exemplo, não estaria a 1ª RE, com seu poder de voto nos Concílios, “colonizando” as demais regiões em detrimento de eventuais líderes locais? Mal comparando, seria como se o Estado de São Paulo, o mais populoso e poderoso economicamente do Brasil, resolvesse indicar um paulista para concorrer na eleição do governador do Amapá, por exemplo. Uma comparação mais adequada talvez fosse relembrar o que ocorreu nos primórdios da Igreja Metodista brasileira, que antes de se tornar autônoma, tinha bispos americanos nomeados pela Igreja-mãe dos Estados Unidos.

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Faço estas reflexões esperando que os procedimentos nos nossos concílios sejam não só os mais democráticos possíveis, como também obedeçam à legislação canônica. E, principalmente, que as eleições sejam menos politizadas e mais voltadas aos objetivos maiores da Missão da Igreja.

De qualquer modo, as próximas eleições episcopais obedecerão a novas regras, aprovadas recentemente, que envolverão até as igrejas locais nas indicações de candidatos ao episcopado. Vale lembrar ainda que, de acordo com os limites de idade implementados no último Concílio Geral, os bispos Paulo Lockmann e Carlos Alberto não poderão concorrer à reeleição.

Fonte - Jornal da Vila, Edição 1553, 25 de dezembro de 2011

Ainda sobre a matéria “Eleição de bispos: sem indicação e sem debate?” Escrevem os Leitores - Por Robson Louzada Teixeira

Li atentamente a matéria publicada no Jornal da Vila nº 1553, escrita pelo irmão Roberto Pimenta. Eu participei do famigerado Concílio Geral de 2006, como membro da Comissão Geral de Constituição e Justiça, e, consequentemente, do julgamento da Ação Declaratória de Nulidade da eleição de bispos. Desejo adiantar que votei acompanhando o bem elaborado voto do Relator, Rev. Gerson Marques Fernandes, para julgar procedente o pedido, ante o absurdo cometido no plenário de Aracruz (1ª fase do concílio), durante os escrutínios para eleição de bispos. Era tão flagrante a ilegalidade e imoralidade cometidas durante a eleição, que o Bispo Nelson Luiz Campos Leite, presidente da sessão, interrompeu o processo para exortar duramente os "irmãos" que negociavam e influenciavam os votos dos delegados. Há um equívoco na informação contida na notícia que o irmão Roberto Pimenta traz no JV nº 1553 sobre o julgamento pela CGCJ, ocorrido no Concílio Geral de 2006 (2ª fase). Não houve empate no julgamento da ação declaratória proposta pelo Rev. Adahyr Cruz, visando a declaração de nulidade da eleição de bispos. A CGCJ julgou procedente a ação, porque 3 (três) dos seus membros, de um total de 6 (seis), haviam votado pela procedência do pedido (o relator e mais dois outros membros). O presidente da CGCJ, que não participou do julgamento, pois deixou o concílio para tratar de assuntos pessoais, ao retornar ao local do encontro (UMESP), tomando conhecimento do resultado, comunicou aos demais membros que também iria votar, muito embora se saiba que o voto do presidente é apenas um voto de qualidade (para desempate). Os três membros que votaram favoravelmente ao pedido sustentaram essa tese, mas o Dr. Carlos Walter, que faleceu pouco tempo após, insistiu que deveria votar. Contrariando a maioria, ele (Carlos Walter) votou para empatar e votou novamente para desempatar, ou seja, não houve empate du-rante o julgamento. A ação foi julgada procedente, mas o presidente Carlos Walter, (...), de forma arbitrária, votou para empatar o julgamento e, depois, fazendo uso do seu voto de qualidade (que seria legítimo se houvesse empate durante o julga-mento - até no Supremo Tribunal Federal o voto do presidente é de qualidade), votou de novo para desempatar o empate que ele mesmo gerou. Uma vergonha para Igreja Metodista. Registrei minha indignação logo após o Dr. Carlos Walter divulgar sua decisão (não da CGCJ, que já havia julgado procedente o pedido) para o plenário que, extasiado aplaudiu de pé. Mantenho em minha posse a ata daquela sessão com o registro. (...) Espero ter colaborado um pouco mais com as verdades contidas na matéria. Fiquem na Graça

NR – São valiosas as informações dos “bastidores” da CGCJ que o irmão Robson nos dá. Eu estava na primeira fila do plenário por ocasião da leitura do parecer da CGCJ e não percebi esta movimentação, naquela tensa noite de encerramento da segunda fase do Concílio Geral de 2006. Como todos os demais presentes, tomei conhecimento apenas da decisão final, comunicada ao plenário, de que a ação havia sido julgada improcedente. Roberto Pimenta

Fonte Jornal da Vila, Edição 1555, 08 de janeiro de 2012