CRÔNICA DE UM FUNERAL - Sobre o culto de ação de graças de Almir de Souza Maia.
Almir Linhares de Faria
A morte do prof. Almir de Souza Maia surpreendeu a todos. Sua atenta, ativa e sensível presença fará uma falta enorme. A grande contribuição que ele trouxe para a educação de modo geral e, em especial, para a educação metodista no Brasil e fora dele, ainda está por ser devidamente dimensionada. Parcialmente já existe um reconhecimento pelo valor de sua pessoa e de seu trabalho. A IAMSCU, no ano de 2014, em conferência realizada no Japão, rendeu-lhe tributo, outorgando a ele o prêmio “Ken Yamada para Lideranças Notáveis”. O COGEIME também já o homenageou. Mas a amplitude de sua contribuição ainda está por ser plenamente reconhecida, especialmente entre nós, seus compatriotas e irmãos na fé. A história certamente se encarregará de lhe fazer justiça.
Não só a morte, a cerimônia fúnebre também foi surpreendente. A generosidade e dignidade de sua esposa Susana e dos filhos André, Samuel, Filipe e Tiago encantou e comoveu a todos. Tiveram a grandeza de nos conceder espaço e repartir conosco os dolorosos e difíceis momentos da despedida final. Concordaram em que houvesse uma parte do velório no Campus Taquaral da UNIMEP - lugar que ele tanto amou e lutou para construir, mas do qual foi afastado de modo injusto e cruel.
A desumanidade da qual o prof. Almir foi alvo, e da qual não se queixava publicamente, é emblemática em relação ao modo de administração da Igreja Metodista e de suas instituições. A maneira desamorosa com a qual ele foi tratado tem sido a experiência de muitos outros, clérigos e leigos. Não se trata aqui de ser contra a substituição de pessoas nos cargos ou papéis que desempenham, na igreja ou nas instituições. Isso faz parte da rotina das organizações. O que se lamenta é a falta de amor e consideração da Igreja (ou daqueles que a representam) para com seus próprios filhos.
A repentina morte do prof. Almir toca, inevitavelmente, na crise vivida pela Igreja Metodista e por suas instituições de ensino. E a dor que essa crise traz, se torna indignação quando se vê ou se escuta as manifestações de pesar de certas lideranças metodistas. Uma parte daqueles que se esforçaram e apoiaram o movimento para excluir o prof. Almir das instituições metodistas de ensino (esta foi uma de suas mortes) e tentaram neutralizar sua influência na Igreja Metodista, se apresentou, pessoalmente ou por escrito, para expressar pesar pelo seu passamento. Triste contradição. Triste, mas já antecipada por ninguém menos do que Jesus, quando afirmou diante dos doutores da lei: “Ai de vós! Porque erigis os túmulos dos profetas que vossos pais mataram. Assim dais testemunho e consentis nas obras de vossos pais, porque eles os mataram, e vós lhes erigis os túmulos” (Lc. 11:47-48).
Algumas das manifestações que ornamentaram o sepultamento do prof. Almir Maia seriam perfeitamente dispensáveis, mas ficam esclarecidas pela sabedoria bíblica, expressa nas palavras de Jesus.
Já não tão surpreendentes foram os testemunhos do filho Filipe e de autoridades públicas, professores, ex-professores, alunos, ex-alunos, funcionários e ex-funcionários do Instituto Educacional Piracicabano, presentes no Campus Taquaral na quarta-feira à noite, atestando a benéfica influência que o prof. Almir, como pai e educador cristão metodista, teve na vida pessoal deles, na vida da cidade e além dela. Aliás, cabe lembrar que o prefeito de Piracicaba decretou luto oficial de três dias. Novamente as escrituras vêm ao nosso encontro e mais uma vez é Jesus quem diz “Vós sois o sal da terra...” (Mt. 5:13).
O tempero Almir Maia, trouxe sabor para a vida de muita gente e para muitos lugares. Mas, para alguns metodistas isso pode parecer pouco, porque o que eles querem saber é “quantos foram salvos?” “Quantos aceitaram publicamente Jesus?” “Quantos se tornaram metodistas?” Para esses religiosos é somente essa contabilidade que vale, embora não se saiba como eles podem se assegurar da validade de seus números, pois o próprio Jesus afirmou: “Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor, entrará no reino dos céus...” (Mt. 7:21 ).
Na quinta-feira pela manhã, na Igreja Metodista, no centro de Piracicaba, a cerimônia fúnebre teve continuidade. É o momento do “Culto de Ação de Graças pela vida do irmão Almir de Souza Maia.” Justa, apropriada e emocionante manifestação de gratidão a Deus pela vida do prof. Almir. Entre expressivos cânticos ouvimos solenes mensagens. O rev. Ely Eser ressalta, dentre outras coisas, a preocupação do prof. Almir com as raízes, com os fundamentos, com a história e afirma que podemos saber de onde viemos, mas não podemos saber para onde vamos. Parece claro para todos que ele está dizendo que do passado podemos ter certeza, pois já o temos, mas o futuro é incerto, pois ainda não aconteceu, por mais que o desejemos ou o projetemos.
O próximo a falar é o bispo que representa o Colégio Episcopal. Após dizer palavras de consolo à família, afirma que nós sabemos para onde vamos. Repete algumas vezes essa afirmação. Ora, acabáramos de ouvir, do reverendo que o antecedera, expressões sobre a incerteza quanto ao futuro (que a própria morte prematura do prof. Almir evidenciava)... Qual é a necessidade do bispo enfatizar o contrário? Não sabemos a resposta, mas essa necessidade talvez expresse uma teologia, na qual não há espaço para dúvidas e questionamentos: “Somos servos de Deus, salvos por Jesus, possuímos as certezas...” É a teologia que não suporta o não-saber e, por isso, tem dificuldades de conviver com o questionamento, com o diálogo, com as diferenças e se refugia em afirmações peremptórias e prepotentes.
A cerimônia prossegue. O clima é de comoção. Deslizes, contradições, conflitos em potencial são o que menos importa naquele momento. A dor da perda é muito grande. Por isso é necessário, sempre, a reflexão posterior. Mas chega o momento da família se manifestar. O filho mais velho, André, toma a palavra. Com muita emoção expressa o privilégio de quem, como ele, pôde privar da intimidade de um grande homem. Destaca que a vida de seu pai foi um exemplo de dignidade, ética e consideração para com os outros. Ao final faz um desabafo, e aponta os descaminhos da Igreja Metodista no presente e alerta as lideranças para a necessidade de correção de rumos. Expressa o desejo de que a dignidade, a ética, o interesse e o respeito pelas pessoas, que foram constantes na vida de seu pai, possam, de algum modo, inspirar a Igreja Metodista. É aplaudido de pé, longamente, pela comunidade presente. O bispo não se levanta. O ambiente está pesado, abafado demais para que ele se erga. Ou talvez seja a sua forma de protestar, discordando da manifestação do André.
Os rumos da igreja hoje estimulam certas práticas da tradição cristã. Erguer as mãos para o céu no culto, nos momentos de oração, ao entoar os cânticos e mesmo durante a mensagem está se tornando muito comum. É uma bela imagem religiosa de nosso anseio e busca por Deus. A emoção e o êxtase demonstram devoção e fazem parte da expressão da espiritualidade. Mas não bastam. A verdadeira religião vai além do êxtase e de intensas expressões emocionais. Novamente recorremos à exortação bíblica para nos iluminar e com ela terminamos esta crônica.
“Quando estenderdes as vossas mãos, esconderei de vós os meus olhos; ainda quando multipliqueis as vossas orações, não ouvirei: as vossas mãos estão cheias de sangue. Lavai-vos, purificai-vos; tirai de diante de meus olhos a maldade das vossas ações; cessai de fazer o mal. Aprendei a fazer o bem, procurai o que é justo, fazei com que o opressor seja reto, fazei justiça ao órfão, defendei a causa da viúva. Vinde, pois, arrazoemos, diz Jeová; ainda que os vossos pecados sejam como a escarlate, ficarão brancos como a neve; ainda que sejam vermelhos como o carmesim, tornar-se-ão como a lã” (Isaías 1:15-18).
30/05/2015
(publicado originalmente no Facebook)