terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Com que discurso eu vou?

Com que discurso eu vou?
Reflexões sobre a Crise Identificatória do Metodismo Brasileiro

Cleber Lizardo de Assis ‘Kebel’*


Primeiramente, aponto a linha de meditação que pretendo desenvolver: o da reflexão, que etimológicamente refere-se a um exercício de ‘se pensar’, pensar de forma que o produto retorne a si, gerando novos reflexos, idéias e possibilidades.


Procurarei falar do lugar das idéias-gérmen, da reflexão-verbo, reverberadora e geradora de novos ciclos, provocativos, dinâmicos e sem a pretensão da conclusão fechada, unívoca e detentora do saber final.
Nem por isso nego pontos de partidas, pressupostos e um lugar de chegada, mesmo que, ao caminhar esteja em permanente tensão e diante de um a-topos, um sem-lugar definitivo.

Nossa perspectiva ainda será a do pensamento complexo e, portanto, conjuntivo, evitando-se as dicotomias que se excluem mutuamente e as secções antagônicas (por ex, categorias como ‘direita’ ou ‘esquerda’, ‘ortodoxo’ ou ‘progressistas’, ‘secular’ ou ‘sagrado’).
As categorias e os argumentos servirão como instrumentos provisórios, caminhos mínimos para se chegar a algo, conceitos não estanques nem rigidamente seccionados.

O tema da identidade é sempre delicado e complexo de ser abordado: seja na sua dimensão individual ou na coletiva.
Para começar, um problema: que identidade é constituída individualmente, auto-fundada? Sua construção exige interações entre diversos sujeitos, no mínimo dois, tornando-a construto interacional.
Problema dois: identidade não é estanque, produto pronto e acabado, mas um processo dinâmico, minimamente estável e que permite um ‘identificar-se’ um ‘si mesmo’. Logo, mesmo havendo algo de natureza mais fixa (Personalidade? Caráter?), existe uma abertura à reconstrução e à metamorfose, tanto que em psicanálise prefere-se falar em identificação, ou seja um processo dinâmico de incorporação de elementos notadamente relacionais.

Posto esse problema de se pensar a identidade individual, coisa que vimos ser essencialmente social, ficamos diante de algo maior, a identidade grupal, coletiva e institucional.

A chamada ‘identidade metodista’ precisou passar por diversos momentos de identificação ou incorporação, desde os elementos judaicos, gregos e sua transição ao cristianismo, passando pelas mediações católico-romanas, pelo protestantismo nascente e o anglicanismo, do metodismo primero ao metodismo em solo norte-americano até desembocar num solo latino-americano com suas particularidades.

E o processo identificatório do metodismo não encerra aí, porque teríamos que, para além dos elementos estritamente religiosos, analisar outros transversais e em ocorrência concomitante, de dimensões políticas, ideológicas e culturais que envolvem os processos humanos.

Assim posto, como apresentar um produto fechado sob o rótulo ‘metodismo brasileiro’? como aferir o discurso reto e verdadeiro (ortodoxia) diante de possíveis desvios e heresias? Como localizar uma essência mínima nos conteúdos herdados e separá-los dos joios de tantos embates históricos? Árdua tarefa, considerando que o próprio Cristo sinalizou a mesma dificuldade, remetendo a sua resolução a um tempo escatológico.

Como se o problema identificacional fosse pequeno, temos ainda os recortes que cada sujeito, de leigo a clérigo com suas idiossincrasias e incorporações, vão agregando ao discurso e à instituição ‘metodista’.
Alguns corolários: ao se discutir um conceito, deve-se ao mínimo, estabelecer acordos sobre sentidos que o mesmo evoca, delimitar pressupostos e possíveis pontos de chegada, e mais, construções e consensos básicos e mínimamente estáveis para possibilitar o diálogo.
Essa prática de um sujeito ou grupo de definir fechadamente a questão, como por exemplo, o que é ser metodista, quaisquer que sejam os bons fundamentos discursivos, está equivocada.

Do mesmo modo, o movimento de justificar argumentos baseando-se num suposto ‘depósito original e exclusivo’ consiste em erro e perigo ainda maior: daí nasce os fundamentalismo nacionais, políticos, raciais e religiosos.

O fenômeno das crises identificatórias, sejam individuais, grupais e institucionais deve ser analisado para além das categorias religiosas, buscando também as interações e embates sociais, políticos, científicos, ideológicos e simbólicos por que passa a dinâmica desse tempo que se convencionou denominar de pós-modernidade, modernidade tardia e outros títulos.

O que se estuda nas diversas ciências são o descentramento paradimático de antigos referenciais geradores de sentido (as religiões por ex) e mesmo da ciência positiva e exata; uma certa diluição de ordem subjetiva diante da multiplicidade de novas instituições-reservas de sentido como as mídias e novas espiritualidades; um fortalecimento das tecnologias midiáticas em detrimento de permanentes dificuldades comunicacionais; uma busca desenfreada e consumista facilitada por um capitalismo desalmado que conduz à exaustão, a novas crises de sentido e a uma iminente destruição global.

Dentro desse bojo, a crise perpassa desde pequenas comunidades de fé, passando pelas religiões monoteístas e pelos blocos denominacionais históricos que precisam sobreviver diante da pluralidade de referências.

Diante dessa guerra velada, consciente ou inconscientemente, os grupos se aliam a outras instituições religiosas e espiritualidades (daí, a relação imbricada entre pentecostalismo e animismo), a instituições poderosas como as mídias televisivas e musicais (não se sabe onde começa a igreja e termina a empresa) e também a instituições políticas e jurídicas numa das formas mais privilegiadas de garantir a tutela do Estado e o aparato jurídico a favor do próprio discurso (no Brasil, por exemplo, quem ousa dizer que de fato o nosso Estado e o aparato jurídico são laicos?).

As crises identificatórias por que passam as próprias religiões, o próprio cristianismo e mais estritamente as igrejas históricas, incluindo o metodismo, referem-se a uma busca de novas parcerias e alianças institucionais para fortalecer a reserva de sentido que vinham oferecendo e que se encontra escasseado. O Sal cristão vem se tornado insípido, a sua luz sem brilho próprio.

Ao discutir a ‘identidade metodista’, para que não caiamos nos chavões que tudo e nada dizem, não basta reduzir a discussão a que tipos de cânticos e liturgias queremos ou devemos praticar, nem mesmo seguir por uma reflexão isolada sobre o que é ou deve ser o metodismo.
Entendo que algumas pistas seriam ouvir nosso povo com uma auto-estima coletiva desequilibrada diante de grupos que crescem da noite pro dia sem qualquer critério e ética válidos; seria um trabalho efetivamente docente sobre o carisma de ser uma comunidade de fé vocacionada para servir e não ser servida, que dialoga e resiste criticamente, que conduz à maturidade e não à regressão infantilóide; seria defender o Evangelho como única e suficiente reserva de sentido para a humanidade; seria oferecer ao rebanho um pastoreio profético e não de manutenção, mais parecido com o do Mestre e menos com os de líderes e empresários do mercado.

Entendo que a discussão deve buscar como ponto de partida o evento Crístico, sobretudo os princípios propostos pelo Rabi, fundamentos de uma ordem a-temporal e a-tópica chamada de Reino de Deus em torno da qual deve girar nosso processo identificatório, ou como queiram outros, nossa identidade.

Capital das Minas Gerais, 03 de dezembro de 2007.

* Educador, Teólogo e Psicólogo. email: kebelassis@yahoo.com.br

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