Um adesivo do movimento feminista "Bruxa a bordo", grudado em vidro do carro da pastora negra Eliad Dias dos Santos, 38 anos, e trabalho desenvolvido junto a prostitutas de São Paulo motivou o afastamento da presbítera de suas funções e um processo na Justiça
Edelberto Behs
São Paulo, segunda-feira, 19 de julho de 2004
Um adesivo do movimento feminista "Bruxa a bordo", grudado em vidro do carro da pastora negra Eliad Dias dos Santos, 38 anos, e trabalho desenvolvido junto a prostitutas de São Paulo motivou o afastamento da presbítera de suas funções e um processo na Justiça comum, gerou matérias na imprensa e muitos incômodos à Igreja Metodista do Brasil.
"O que sentimos nesta situação é mais um caso de machismo, cinismo e racismo que, infelizmente, não é a primeira vez que isso vem acontecendo na Igreja Metodista", acusou o presidente da Sociedade Cultural Missões Quilombo, Hernani Francisco da Silva, em carta dirigida ao Colégio Episcopal metodista.
Para o Movimento Negro Evangélico, assinalou da Silva, "essa situação é muito triste, pois envolve uma irmã negra injustiçada e uma igreja que temos como referência na comunidade evangélica por ser uma igreja que vive a missão integral" e é a única denominação evangélica que tem uma Pastoral de Combate ao Racismo.
"Não houve perseguição", garantiu em entrevista à ALC o presidente do Colégio dos Bispos da Igreja Metodista, João Alves de Oliveira Filho, que também é negro. Norma aprovada em Concílio Geral determina que obreiro ou obreira da igreja que recorrer à Justiça comum perde a nomeação até o caso ser julgado.
"Se é justa ou injusta a norma não cabe ver o mérito agora", alegou o bispo João Alves, lamentando que a pastora Eliad não tenha esgotado todos os trâmites na igreja antes de partir para processo na Justiça comum. "Ela não foi feliz no encaminhamento", completou o presidente do Colégio dos Bispos.
"O que me moveu a processar a igreja foi a falta de respeito que aconteceu desde o início", relatou a pastora Eliad para a ALC. O início remonta ao trabalho da Pastoral da Mulher Marginalizada, voltado a prostitutas, no qual ela embarcou em 1988. A pastora foi acusada de bruxaria pelo então bispo da Terceira Região (área de São Paulo e Vale do Paraíba), Adolfo Evaristo de Souza.
"Minha bruxaria foi ler com as mulheres uma poesia e servir bolo e chá, e dizer que elas deveriam buscar dentro de si mesmas a força para se libertarem de todas as amarras que a vida nos coloca, como a miséria, a opressão e a falta de oportunidades", contou Eliad. Uma assistente social denunciou-a à coordenação da Pastoral e esta ao bispo.
Eliad Dias dos Santos foi chamada pelo bispo Adolfo, que não aceitou os argumentos dela e nem o adesivo no carro. "Fui afastada por um motivo imbecil. Fui destratada e ele me mandou embora, me chamando de bruxa e incompetente". A pastora entrou com processo na igreja contra o bispo Adolfo. O processo foi arquivado.
Depois de sete meses a pastora resolveu ingressar na Justiça comum com ação por danos morais, "pois não tinha trabalho na igreja e só o que as pessoas sabiam é que eu era bruxa e incompetente". O bispo João Alves lamentou que Eliad dos Santos não tenha pedido a reabertura do processo na própria igreja.
"Eu não sabia desta lei que havia sido aprovada no último Concílio Geral da igreja", argumentou a pastora, referindo-se ao afastamento a que foi submetida depois de ingressar na Justiça comum. A pastora ganhou o caso em primeira instância e a Igreja Metodista recorreu "para salvaguardar o decurso de prazo". A igreja negociava acordo com a reclamante quando saiu a primeira matéria na imprensa sobre o caso, na revista Época de 12 de julho.
Para o presidente do Colégio dos Bispos, a matéria foi uma surpresa. Depois de cinco ou seis encontros, o último deles ocorrido no dia 7 de julho, "só faltava acertar a forma de pagamento", assinalou o bispo João Alves. Na análise da pastora, o acordo não saiu porque o bispo Adolfo sempre se recusou a aceitá-lo.
Segundo a Justiça, a pastora Eliad Dias dos Santos tem direito a uma indenização em torno de 27 mil reais (cerca de 9 mil dólares), dos quais, segundo o acordo em negociação, seriam descontados o aluguel que a igreja pagou à pastora enquanto estava afastada.
Nesses três anos de processo, "nada me foi oferecido, nem uma cesta básica ou qualquer tipo de ajuda", queixou-se a pastora, reconhecendo, no entanto, ter recebido aluguel durante sete meses. Nas contas do bispo João Alves, o aluguel de três anos soma em torno de 13 mil reais.
O presidente do Colégio dos Bispos não entra no mérito da causa originária dessa celeuma. "O bispo (Adolfo) entendeu que ela estava enaltecendo a bruxaria", disse, lastimando que a pastora não tenha esgotado todos os direitos dela dentro da Igreja Metodista. "Aceitar o acordo traria o assunto para dentro da esfera da igreja", alegou.
O momento é de reflexão, explicou em entrevista por telefone o bispo Adriel de Souza Maia, da Terceira Região, que substituiu no cargo o bispo Adolfo. "O assunto está sendo discutido dentro do espírito evangélico, de buscar a reconciliação".
O presidente do Colégio dos Bispos, no entanto, acha difícil recompor clima de trabalho para a pastora na igreja. "Tentei negociar a retirada do processo, mas ela não quis rever o caso. Pediu, inicialmente, 500 mil de indenização", somou o bispo, argumentando que ela teve todo o seu mestrado e formação pastoral pago pela igreja.
Conciliador, o bispo Adriel entende que "enquanto presbítera, sempre haverá acolhida para ela na igreja. Ela nunca foi mandada embora. A igreja é pluralista, tem vários ministérios. O Corpo de Cristo é amplo", arrolou.
A pastora Eliad não tem idéia como ficará a sua situação futura. "Se um bispo que ignora a história e lei interna da igreja e não foi expulso, por que eu, que nada fiz, deveria deixar a Igreja?"- pergunta-se. "Ela pertence a quem? Minha família é metodista e eu não vejo porquê eu deva sair".
O que está "em meu coração e minha vida e fé são os ensinamentos de Jesus, de John Wesley, e não será meia dúzia de homens arrogantes, machistas que irão tirar o que tenho de mais precioso", sustentou. O juiz que julgou o caso, lembrou a pastora, alegou na sentença que a igreja agiu de má fé. "Nada mais justo, então, que reconhecer o erro e reintegrar-me ao ministério".
É preciso rever o conceito "bruxa". Muitas teólogas norte-americanas e alemãs, católicas e evangélicas, se auto-proclamam "bruxa", dizendo com isso que, por serem mulheres, têm acesso a formas e conhecimentos pela intuição, pela espiritualidade.
Elas colocam esse conhecimento a serviço da comunidade, arrolou Leonardo Boff em mensagem eletrônica de solidariedade à pastora metodista. Não fazem nenhuma bruxaria, mas reconhecem dons que vêm, em última análise, do Espírito Santo e assumem conscientemente tais dons para ajudar pessoas, afirmou.
Depois da publicação do assunto na imprensa, um acordo entre as partes fica mais complicado, mas não impossível. O tempo dirá se vai prevalecer o espírito conciliador, evangélico, como prega a igreja, ou falarão mais alto as feridas que o caso abriu em pessoas e na própria instituição.
Fonte - http://www.alcnoticias.net/interior.php?lang=689&codigo=3693&PHPSESSID=1c30b50ec124e5a3efc8ec322cacd8c5
Ainda sobre o caso - Inquisição Moderna: http://metodistaconfessante.blogspot.com/2010/09/inquisicao-moderna.html
Um comentário:
Só faltava uma inquisição para que a Igreja Metodista voltasse definitivamente à Idade das Trevas, agora não falta mais. Não era pra menos. Numa Igreja que se exorciza bebês, apunhala pelas costas o Ecumenismo e justifica macaquismos macumbatórios como Atos Proféticos, não há motivos para se esperar outra coisa. O pior é que o caso da pastora não é único. Recentemente, por motivo de uma briga familiar, um pastor da 1º Região, cujo ministério era seu único subsídio, foi sumariamente afastado por dois anos inteiros sem qualquer vencimento.
Pastora, não desista da Ação Cível, mesmo que os inquisidores não venham a ser julgados, ou que venham a indenizá-la com seus próprios recursos, sua vitória será a vitória da ética sobre a espessa nuvem que mergulhou nas sombras um trabalho que o profeta Jonas bem que tentou, mas não conseguiu. Converter uma nação, preservando-a do inominável banho de sangue pela qual passara a nação vizinha.
rev. Sergio Duarte, ex membro, mas metodista como nunca
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