As igrejas protestantes, evangélicas e pentecostais foram, no decorrer da história deste país, vítimas da intolerância e da perseguição religiosa. Esta prática era mais forte no período imperial e em regiões afastadas dos grandes centros, onde a influência do catolicismo popular era mais intensa, insuflando a população a cometer atos de violência e agressão contra templos e pessoas evangélicas. Tais práticas perduraram até recentemente, com narrativas como a do rev.Jaime Wright, filho de missionários norte-americanos que relata que comerciantes do interior do Brasil eram instruídos a não venderem para os protestantes. Não por acaso os protestantes, juntos a outros setores da sociedade civil, foram precursores na luta pela democracia, pela república e pela separação da igreja e do Estado.
Desta forma, é lamentável vermos que quando os protestantes e evangélicos atingem uma grande parcela da população brasileira e ascendem às instâncias de poder, passam a agir com a mesma intolerância da qual antes foram vítimas e passam a defender a ingerência estatal nos assuntos de consciência, diferentemente do defendido anteriormente, quando éramos minoritários.
Recentemente o Brasil testemunhou mais um exemplo de violência contra a laicidade do Estado e também de intolerância e perseguição religiosa. Desta vez, todavia, contra as religiões de matriz africana: umbanda e candomblé. Os atos de intolerância foram cometidos por pastores evangélicos e a homologação ideológica e legal dessa intolerância foi aprovada pelo Estado através da decisão de um magistrado que deveria defender os interesses de toda a população.
É triste quando aqueles que outrora foram perseguidos e por isso tornaram-se defensores da liberdade de culto, consciência e da laicidade do Estado passam a defender a opressão e a agressão ou se refugiam no silêncio covarde da omissão.
Desta forma, convidamos os metodistas e principalmente seus representantes doutrinários eleitos, os bispos e bispa do Colégio Episcopal, a levantarem suas vozes contra esta agressão contra brasileiros e brasileiras membros de igrejas de matriz africana, que tiveram seu reconhecimento como comunidade religiosa e consequentemente sua integridade atingidas por essa série de atos intolerantes e contrários ao espírito cristão, republicano e comunitário.
O CONIC, Conselho Nacional de Igrejas Cristãs, emitiu nota de repúdio aos atos do juiz Eugênio Rosa de Araújo. Tal repúdio foi acompanhado por diversas manifestações de religiosos, instituições e organismos ecumênicos e intereclesiásticos. Desafiamos nossos bispos e bispa a juntarem suas vozes proféticas contra o atentado à dignidade humana e exercerem seu papel docente e pastoral junto ao povo chamado metodista.
Religiosos criticam decisão que não considera umbanda e candomblé religiões |
Líderes de diversas religiões repudiaram hoje (19) a decisão do juiz da 17ª Vara Federal do Rio, Eugênio Rosa de Araújo, que negou o pedido de retirada de vídeos com mensagens de intolerância contra religiões afro-brasileiras, por considerar que a umbanda e o candomblé “não contêm os traços necessários de uma religião”, como um texto-base, a exemplo da Bíblia, uma estrutura hierárquica e um Deus a ser venerado. As críticas foram feitas durante o lançamento da campanha promovida pela Pastoral do Esporte da Arquidiocese do Rio para a Copa do Mundo de 2014.
Intitulada "Por um mundo sem armas, drogas, violência e racismo", a campanha foi promovida em um evento inter-religioso nesta segunda-feira, no Estádio Jornalista Mário Filho, Maracanã. O babalorixá Carlos Ivanir dos Santos afirmou que o candomblé vive tempos difíceis e agradeceu o apoio de representantes de outras denominações religiosas que criticaram a decisão: "O que leva ao ódio é a ignorância. É a ignorância que cria o que estamos vendo na Nigéria [referindo-se ao grupo fundamentalista que sequestrou meninas por acreditar que mulheres não devem estudar], onde um grupo quer impor a sua verdade sobre outros".
De acordo com Santos, "A questão da intolerância religiosa tem sido um fator importante para o ódio. Quando um juiz de um Estado laico desrespeita a Constituição, colocando uma opinião preconceituosa, se fomenta o ódio contra as religiões de matriz africana”, criticou, classificando a argumentação do juiz como elitista e racista. Na decisão, Eugênio Rosa de Araújo afirmou que “as manifestações religiosas afro-brasileiras não se constituem em religiões, muito menos os vídeos contidos no Google refletem um sistema de crença – são de mau gosto, mas são manifestações de livre expressão de opinião”
A mãe Fátima Damas, umbandista, também defendeu sua religião contra a visão do juiz. "É muita ignorância da parte dele. Ele precisa entender que existe a cultura oral. É impraticável a gente aceitar que um homem da lei abra a boca e faça uma coisa dessa. Queremos ouvi-lo e queremos que ele nos ouça. Esperamos que se retrate", afirmou.
Líderes de outras religiões endossaram as críticas. Presidente do Conselho de Igrejas Cristãs do Estado do Rio de Janeiro, a pastora Lusmarina Campos Costa apoiou o Ministério Público Federal no Rio de Janeiro (MPF/RJ), que solicitou a retirada dos 15 vídeos do YouTube: "Não podemos aceitar o ódio ou a sua expressão de maneira nenhuma. Nos colocamos solidários com o MPF no RJ, quando diz não aos vídeos que incitam o ódio contra as religiões afro-brasileiras e permanecemos ao lado quando ele recorre da decisão descabida do juiz federal que baseia o seu julgamento em um argumento arcaico e obsoleto, desconsiderando a complexidade do universo religioso brasileiro".
Representando o arcebispo do Rio, dom Orani Tempesta, o bispo auxiliar dom Roque Costa Souza também se solidarizou com as religiões de matriz africana. "Se o país está dizendo que é laico, e as religiões não têm que se intrometer em determinadas situações, por que agora vem a Justiça querer definir o que é religião e o que não é, se desde tanto tempo nós estamos nesse diálogo inter-religioso e procurando aceitar uns aos outros com as nossas diferenças do modo de cultuar Deus?”, questionou, acrescentando que a Igreja Católica se posiciona contra essa decisão.
O sacerdote budista Gyoushu Tadokoro também invocou a laicidade do Estado para criticar a decisão. "O país é laico legalmente e qualquer tipo de discriminação que coloque que isso é religião e isso não é cabe a nós, religiosos", defendeu.
Membro da Sociedade Beneficente Islâmica do Rio de Janeiro, Sami Ahmed Isbelle destacou a tradição das religiões africanas no Brasil. "Essas são denominações existentes há muito tempo no Brasil, então, essa é uma decisão completamente equivocada e fora de propósito. O que vai gerar tudo isso é mais ignorância”, disse.
Isbelle também alertou: “Quando você coloca uma denominação que há muito tempo já sofre um preconceito dentro do Brasil como não sendo uma religião, isso pode estimular as pessoas a perseguirem, a cometerem atos violentos contra eles, justificando que não é considerado religião".
O presidente da Federação Israelita do Estado Rio de Janeiro, Jayme Salomão, pediu respeito às minorias. "Todo mundo que busca um Deus, nós temos que reconhecer. Temos que reconhecer as minorias presentes no Brasil. O Brasil tem que servir de exemplo de sucesso, de lugar onde todas as religiões se agregam em paz".
A campanha "Por um mundo sem armas, drogas, violência e racismo" é o tema da 14° Semana Municipal da Paz, que destaca a importância da preservação da vida. Além de atividades de conscientização, a campanha produziu a música Fé na Copa e ninguém pra escanteio, que será executada nos eventos da arquidiocese antes, durante e depois do mundial de futebol.
Com informações da Agência Brasil
Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Nota publicada originalmente em: http://www.conic.org.br/cms/noticias/731-religiosos-criticam-decisao-que-nao-considera-umbanda-e-candomble-religioes
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário