'A Unimep é invendável', diz ex-reitor da universidade
Almir de Souza Maia manifesta sua preocupação com a possível negociação da instituição
Foto: Amanda Vieira/JP
Ex-reitor da Universidade Metodista de Piracicaba, Almir de Souza Maia é categórico ao afirmar que a Unimep é ‘invendável’. Ouvido pelo JP esta semana sobre a negociação que estaria ocorrendo nos bastidores — e que tem deixado a comunidade acadêmica apreensiva —, Maia se posiciona totalmente contrário à venda, pois tem ‘absoluta certeza de que a medida contraria os fundamentos e documentos metodistas’. Leigo da Igreja Metodista e ligado a ela, como membro, por 50 anos, ele afirma que a Unimep ‘é um patrimônio da educação universitária no Brasil’ e que a instituição deve ser preservada. Confira a entrevista.
O que é verdade e o que é especulação na polêmica envolvendo a suposta venda da Unimep? A Igreja Metodista está mesmo negociando a venda de cinco de suas oito instituições de ensino superior por um valor estimado em R$ 250 milhões, entre elas, a Unimep de Piracicaba? Desde quando ocorre esta negociação? A reportagem do Valor Econômico de 5 de agosto não foi desmentida pelos órgãos da Igreja e tudo indica que a Universidade Metodista de Piracicaba e as instituições Centro Universitário de Porto Alegre (RS), Faculdade Metodista de Santa Maria (RS), Centro Universitário Izabela Hendrix (Belo Horizonte, MG) e Faculdade de Birigui (SP) estão incluídas em um processo de discussão para venda. No entanto, não são públicas as etapas, condições e detalhamentos do processo em curso, que deve ter sido aprovado pela Coordenação Geral de Ação Missionária (COGEAM), considerando ser este o órgão administrativo superior da Igreja Metodista. Não disponho da informação de quando começou esta negociação, mas desde o início deste ano circulam informações não oficiais nos meios metodistas.
Segundo reportagem do Valor Econômico, a negociação não engloba o patrimônio imobiliário (prédios e campi), apenas os alunos e a utilização do CNPJ das instituições. Parece-me que sim, não há venda do patrimônio imobiliário. Não se trata, também, da venda da instituição mantenedora, pessoa jurídica que tem o CNPJ, mas sim da mantida. Com relação aos alunos, fala-se em “venda e compra de carteira de alunos”, questão, a meu ver, que envolve dimensões que precisam ser melhor discutidas.
A Unimep figura entre as instituições mais conceituadas do país e é considerada um patrimônio educacional de Piracicaba. O que significaria para a cidade uma perda como esta? Se a venda se confirmar, o que vai mudar para professores e alunos? Eu vou mais além, a Unimep é um patrimônio da educação universitária no Brasil, pelo que ela tem representado em termos de proposta que contempla qualidade acadêmica, corpo docente qualificado e experiente, infraestrutura de mais alto nível e compromisso social e político na formação de seus alunos. Internacionalmente reconhecida, trata-se da primeira universidade metodista fundada na América Latina, até hoje em muitos aspectos um paradigma para as outras metodistas que surgiram depois dela. Como ex-reitor e leigo metodista, trabalho na linha de que a venda, não só da Unimep, mas das demais instituições, não acontecerá. No entanto, para efeito de análise, se a venda fosse concretizada poderia desencadear para a Igreja uma série de questões da maior complexidade. Assim, creio que todos enfrentariam consequências, a começar pela Igreja e suas tradicionais e renomadas instituições de educação. Em se tratando de Piracicaba, perderíamos com a universidade sucessora, seja qual for, pois ela não teria os laços históricos, políticos e sociais que a Unimep tem e representa para a cidade e região. Nós não somos qualquer universidade, somos a Universidade de Piracicaba, que esta cidade apoiou desde os seus primórdios, com a instalação do Colégio Piracicabano há 133 anos e, mais tarde, a criação das Faculdades Integradas do Instituto Educacional Piracicabano com os primeiros cursos superiores, conhecidos como ECA, há 50 anos. Acho que alunos, professores e funcionários seriam afetados porque a proposta acadêmica, social e política da Unimep não teria sequência por mudanças de filosofia e visão educacional, conduta e postura.
Em assembleia realizada mês passado, professores, funcionários e alunos manifestaram repúdio à suposta venda da instituição. De que forma eles podem tentar impedir a venda? Apenas fazendo pressão? Conheço e concordo com a manifestação da comunidade representativa dos professores, funcionários e alunos da Unimep. Em minha fala de agradecimento ao Conselho Universitário, em 27 de agosto, afirmei: “(...) declaro concordar com o Posicionamento do Conselho Universitário sobre as notícias veiculadas e seus impactos para a Unimep, aprovado em 13 de agosto, e o Manifesto de Repúdio à suposta venda da Unimep aprovado pelas entidades representativas dos professores (Adunimep), funcionários (AFIEP) e alunos (DCE) em 13 de agosto de 2014”. Em meu entender é uma forma legítima de a comunidade se posicionar contrariamente a uma decisão que afetaria completamente a vida da instituição. Acho que a reação é fundamental e traduz o interesse, o respeito da comunidade ao projeto da universidade. Semelhantemente, manifestações estão acontecendo nas instituições do Rio Grande do Sul e de Belo Horizonte, onde também a presença histórica e educacional metodista é muito valorizada. A movimentação em Porto Alegre é anterior, pois há discussão de venda de imóveis cuja decisão tem sido contestada pela comunidade gaúcha, que já fez chegar sua preocupação com o fato até à Câmara Municipal e aos órgãos de defesa do patrimônio histórico da cidade.
Em reportagem publicada no JP, o presidente da Adunimep, Francisco Baccarin, confirmou que Unimep estaria sendo vendida com o aval da Cogeam (Coordenação Geral de Ação Missionária). O que faz o Cogeam? A Igreja Metodista é conciliar, isto significa que suas decisões são feitas por intermédio de seus concílios nos níveis local (pelo menos um por ano), regional (a cada dois anos) e geral (a cada cinco anos). No interregno dos concílios existem as respectivas coordenações missionárias — local (CLAM), regional (Coream) e geral (Cogeam). A Cogeam, composta por 14 membros, é o órgão de Administração Superior da Igreja e atua em substituição ao Concílio Geral e pode deliberar sobre assuntos da alçada do Concílio, desde que não conflite com decisão anterior daquele órgão e exceções expressas nos Cânones. Ademais, no caso das instituições educacionais, os mesmos componentes da Cogeam compõem a Assembleia Geral das entidades associadas, que são as oito Associações da Igreja Metodista, ou regiões eclesiásticas no conceito eclesial, pessoas jurídicas que podemos chamar de “proprietárias” das instituições educacionais em nível nacional.
E o Concílio Geral da Igreja? Decidiu pela venda? O Conselho Superior de Administração (Consad), órgão superior das mantenedoras, relatou a crise administrativa e financeira das instituições metodistas de educação ao 19º Concílio Geral da Igreja Metodista, realizado em 2011. Este Concílio, ao analisar o relatório, aprovou a proposta de recuperação operacional e gerencial da Rede Metodista de Educação com “realização de ativo para pagamento de dívidas visando o fortalecimento dos projetos educacionais das IMES e a sustentabilidade financeira das mesmas”, conforme registrado na ata. Pelo visto o Concílio Geral não autorizou venda de instituições educacionais, pelo contrário a Igreja reforçou a importância da educação.
Em homenagem que recebeu na Unimep, no Prêmio Ken Yamada para Lideranças Notáveis, o senhor manifestou seu descontentamento com a suposta venda e até pediu que “órgãos da Igreja Metodista reconsiderem a decisão do processo de venda, de modo que a Universidade Metodista de Piracicaba e as demais instituições envolvidas nestas decisões continuem seus projetos e seu serviço à educação brasileira”. O senhor está muito preocupado com isso? A Unimep é invendável! Manifestei publicamente a minha posição contrária à proposta de venda, pois tenho absoluta certeza de que ela contraria os fundamentos e os documentos metodistas. Como Igreja, temos de encontrar alternativas seguras, com diálogo e participação e seguindo parâmetros evangélicos. Além do mais, temos ouvido que a instituições estão em processo de crescimento e com as questões administrativas e financeiras bem encaminhadas. Sobre a Unimep, temos ouvido do próprio reitor Gustavo Alvim sobre o bom momento que passa a universidade.
Ainda no dia da homenagem, um trecho de seu discurso chamou a atenção: “Entendo que este momento é uma oportunidade que temos para ratificar o posicionamento evangélico, filosófico e político sobre a educação expresso nos documentos oficiais da Igreja Metodista — de que educação é um bem público — e recusar explicitamente tratá-la como mercadoria.” Vender a Unimep, na sua visão, seria tratar a educação como mercadoria? Infelizmente a educação nos últimos anos está sendo tratada como um promissor ramo de negócios, a começar pelas discussões no âmbito do Acordo Geral sobre Comércio de Serviços, mais conhecido pela sigla GATS, que na Organização Mundial do Comércio (OMC) está tratando de incluir a educação. No Brasil constatamos a entrada de grupos, inclusive com capital internacional, que buscam investir e crescer em número de alunos e cursos e ter lucratividade. O que importa é o resultado, o retorno financeiro do investimento. Esta situação gera uma competição entre os proprietários, mantenedores e investidores onde a lei do mercado é a que prevalece. Para os segmentos privados que trabalham com educação como compromisso, as universidades confessionais, comunitárias, filantrópicas, religiosas, sociais, etc., é uma luta entre Davi e Golias. Assim, as instituições educacionais católicas e as evangélicas, como as metodistas, são afetadas por este quadro. Para nós, educação não é mercadoria, mas é projeto de vida, emancipação humana, formação do ser humano, uma das expressões do serviço e dos valores evangélicos que pregamos e devemos viver. Para John Wesley, fundador do movimento metodista na Inglaterra no século XVIII, educação é um ato de amor e parte essencial do processo de salvação do ser humano; os documentos oficiais da Igreja Metodista vão na linha contrária a esta visão do mercado, financeira e utilitarista da educação. A educação é compromisso e espaço de defender a vida em todas as suas dimensões.
Como é possível reverter esta decisão? Primeiro, é preciso sustar a decisão de venda pelos caminhos institucionais da própria Igreja, que tem canais apropriados para encaminhar e decidir. Um deles é a Comissão Geral de Constituição e Justiça (CGCJ), que tem atribuições como a de julgar petições de direito que envolvam interesses da administração superior. É nesta linha que a CGCJ está trabalhando uma petição encaminhada pela Coordenação Regional de Ação Missionária da 2ª Região Eclesiástica (RS), que requer a sustação da decisão. Segundo, entendo que o Colégio Episcopal da Igreja tem um papel importantíssimo na condução pastoral e política, o que, com certeza, já está exercendo. Por fim, é imprescindível que sejam buscadas alternativas que encaminhem de forma segura e transparente propostas que respondam às necessidades institucionais e garantam a continuidade da missão educacional da Igreja. Pessoalmente estou esperançoso de que isto vai acontecer. Como leigo da Igreja reafirmo o meu entendimento de que nossas instituições não serão vendidas e que esta discussão acaba por fortalecê-las ainda mais.
Reportagem: Nani Camargo
Publicado originalmente em: http://m.jornaldepiracicaba.com.br/mobile/noticia.php?id=12370