Combate à intolerância religiosa, compromisso de todos e todas!!!
21 de janeiro: Dia nacional de Combate à Intolerância Religiosa
Na última quinta, dia 19 de janeiro, muitos ficaram surpresos com o artigo do renomado escritor Luis Fernando Veríssimo publicado nos grandes jornais do país. Pois ele usa mais da metade de seu espaço semanal para pedir desculpas aos seguidores da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (SUD), conhecidos popularmente como mórmons.
A louvável atitude de Veríssimo foi uma resposta aos diversos leitores que o corrigiram sobre as práticas daquela religião. É que na semana anterior ele escreveu em tom sarcástico que caso Mitt Romney, seguidor da Igreja Mórmon e candidato à presidência dos Estados Unidos, vencesse as eleições, os americanos experimentariam a novidade de observarem três ou quatro primeiras-damas transitando na Casa Branca. Não sabia ele, que esta prática da poligamia foi descontinuada por esta Igreja há mais de um século e, segundo as suas “Regras de Fé”, o membro que adota “casamento plural” é “excomungado”.
Veríssimo ao se redimir publicamente reconhece sua ignorância no assunto e diz “meu erro de mais de cem anos foi imperdoável, mas peço perdão assim mesmo. Não se repetirá. Gravarei com brasa na testa, para nunca mais esquecer: informe-se antes de dar palpite”.
Infelizmente, nem todos os casos de pessoas e instituições agredidas por questões religiosas terminam desta forma exemplar. Recentemente o apresentador José Luiz Datena, da TV Bandeirantes, foi obrigado pelo Ministério Público Federal a se retratar por ter dito, no auge de seu furor “jornalístico” ao relatar mais um caso de violência, que aquela atrocidade só poderia ter sido cometida por um “ateu”, “uma pessoa sem Deus no coração”. Desta forma, rotulou as pessoas que optam por não seguir crenças e instituições religiosas como as mais inclinadas ao mal, à crueldade, ferindo a liberdade de consciência e de crença no Brasil.
Ainda constatarmos em nossa sociedade a existência da intolerância religiosa, quando pessoas e instituições agem com violência e desrespeito com quem tem prática de fé “diferente”. O fato da formação colonial do Brasil ter sido baseada num cristianismo imposto, que se tornou a “religião da maioria”, incita e reproduz a demonização e a perseguição das religiões “não-cristãs”, principalmente às de matrizes africanas. Outro cenário vergonhoso é o de disputa “mercadológica” entre igrejas, que vêem seus fiéis enquanto “clientes”. Por outro lado, estes fiéis buscam apenas “consumir” milagres, curas, conforto efêmero para as angustias do dia-a-dia. Também é preciso citar as perversidades da violência “intra-religiosa”, quando fiéis são perseguidos dentro de sua igreja/religião por líderes que anseiam maior estabilidade para exercício de seu mandato, visando mantê-lo por fatores econômicos (ex.: conforto, status, etc.) e ideológicos (ex.: disputa de projeto de futuro para a instituição).
Logo, quando casos como os trazidos no início vêm à tona, é um grande ganho. Pois desestruturam o “mandamento” social que diz que “religião não se discute”. Argumento que sempre empurrou para baixo do tapete cotidiano às inúmeras ocorrências de violências motivadas por fé, religião ou crença.
Assim também veio à tona o caso da sacerdotisa Gildásia dos Santos e Santos, Ialorixá do terreiro Axé Abassá de Ogum, em Salvador/BA, carinhosamente conhecida como Mãe Gilda. Em 1999 ela teve uma foto sua usada de forma depreciativa pelo periódico Folha Universal da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). Depois de idas e vindas aos Tribunais em busca de justiça pelas ofensas que sofreu e de ter seu terreiro invadido e depredado, Mãe Gilda não resistiu e faleceu por complicações cardíacas no dia 21 de janeiro de 2000. Somente em 2009 saiu o resultado da ação na Justiça, sendo a IURD condenada a indenizar os familiares da sacerdotisa.
O Dia Nacional de Combate a Intolerância Religiosa, comemorado no dia 21 de janeiro, oficializado pela Lei nº Lei 11.645, em 2007, é uma homenagem à Mãe Gilda e um sinal de que a luta contra a intolerância religiosa merece ser divulgada e ampliada para toda a sociedade. A religião que na virada do século passado esteve condenada à indiferença, revigora-se no século XXI enquanto pano de fundo de tensões e conflitos e, ao mesmo tempo, plataforma possível de encontros e diálogos.
A dimensão pública da relação com o sagrado e o pluralismo religioso estão presentes na TV, na escola, no trabalho e já é comum encontrarmos nas casas pessoas da mesma família convivendo com variadas pertenças religiosas. Eis o mundo estilhaçado que nos apresenta o antropólogo Clifford Geertz. Logo, precisamos consolidar, avançar, refazer o conceito da diversidade religiosa enquanto coexistência de religiões, espiritualidades e até mesmo não-crenças numa relação social de reconhecimento do direito, do valor e da legitimidade das diferentes manifestações e experiências. Caso contrário, correremos o risco de viver numa sociedade na qual a ameaça mora ao lado ou conosco, agarrado aos estilhaços e vociferando conter em suas mãos toda a verdade.
Apresentamos como valiosa e merecedora de estudos a experiência do Comitê Inter-religioso do Pará que há mais de quatro anos vem reunindo mais de vinte entidades (religiosas, políticas, acadêmicas, etc.) em cooperação, atuando em apoio aos movimentos sociais, elaborando subsídios para organizações populares e promovendo visitas e celebrações inter-religiosas.
A vivência de aprendizado mútuo entre pessoas de religiões diferentes, como noComitê Inter-religioso do Pará, buscando pontos de encontro e de ação conjunta em torno das infinitas formas de manifestação do “Sagrado”, do “Misterioso”, do “Inefável”, faz lembrar as palavras do escritor uruguaio Eduardo Galeano ao narrar a primeira vez que uma criança viu o mar. Após subir cansativas dunas de areia, a criança olha lá de cima o mar com toda aquela imensidão, fulgor e beleza. O deslumbramento é tanto diante daquela maravilha surpreendente que quando finalmente consegue falar, ainda tremendo, gaguejando, só consegue pedir “amigo/a, me ajuda olhar!”.
Tony Vilhena
Cientista social, especialista em ciências da religião
Belém/PA
Comitê Inter-religioso do Pará
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