Movimento de Metodistas Confessantes
Por: Jaider Batista da Silva
Sou agradecido por ter sido incluído na proposta de compor o movimento de metodistas confessantes. É desafio imenso, dado que tomamos de empréstimo o testemunho da Igreja Confessante, movimento dos (as) que não se dobraram à aquiescência da Igreja Evangélica da Alemanha ao nazismo. Portanto, entendo que o primeiro critério de participação deve ser o da disposição ao testemunho.
Dar testemunho em tempos de obscurantismo e autoritarismo, de rejeição ao esclarecimento, de recusa à transparência, implica declarar que “Deus é Luz e não há nEle treva alguma”. Implica assumir o princípio republicano de que tudo o que não for compatível com a luz do dia atenta contra o interesse geral. Implica denunciar o obscurantismo não apenas como fanatismo, sua face mais declarada e menos perigosa, mas, principalmente, como a proibição do dissenso. Na afirmação do (a) outro (a), do dissenso como necessário à saúde do corpo eclesial, na recusa a reduzir o (a) outro (a) a espelho de nós mesmos (as), firmamos nossa unidade. Não ouvi do bispo Paulo Ayres, mas ouvi que esta metáfora é dele: a noção de equilíbrio, cara ao metodismo, nada tem a ver com a balança com os pesos justapostos. Tem a ver com o trapézio e a corda do circo – o equilíbrio não como ponto de descanso, de segurança, mas de tensionamento permanente e contínuo, de movimento e criatividade.
Somo-me ao movimento (melhor que grupo) a partir do protestantismo liberal, promotor da razão e da crítica, muito caro em minha formação e definidor da minha visão de mundo. Somo-me, no entanto, a todas as pessoas sinceras e de boa vontade, de origem diferente na mesma Igreja que nos acolheu um dia: pietistas, puritanos (as), crentes pentecostais entregues aos dons espirituais e às experiências que eles propiciam, carismáticos (as), da tradição litúrgica, da transformação social, da denúncia profética, da luta por justiça no mundo.
Recuperar o dissenso na experiência e a unidade na vida comunitária e nos propósitos é o único compromisso que assumo por saudade. Nós, metodistas, sempre fomos do dissenso na experiência, do pluralismo no pensar, mas nos reconhecíamos intensamente na vida comunitária e na disposição de caminhar juntos (as). Não tenho nenhuma dificuldade de caminhar junto com irmãos (ãs) metodistas de experiência de fé diferente da minha. Entendo que o corte
Entendo que é necessário recuperar a Igreja como comunidade que propicia às pessoas mudança de vida, mudança ética estrutural, comunidade que crê no poder do Evangelho de virar a vida das pessoas pelo avesso e, assim, definir condições melhores para elas e para as gerações que seguem. Temos perdido isso. Temos banalizado o perdão. Líderes inescrupulosos (as) abusam espiritualmente de pessoas e comunidades inteiras e depois, quando descobertos (as), preparam sessões espetaculares para o pedido de perdão midiático, com holofotes, choro, palmas da platéia. O artificialismo não muda a vida das pessoas. A graça não é barata, como dizia o confessante Dietrich Bonhoeffer ou como aprendemos de Jesus “a quem muito foi dado, muito será cobrado”.
Tem sido comum, neste momento difícil da Igreja, fazer-se uso da frase de J. Wesley sobre a razão porque Deus levantou os (as) pregadores (as) metodistas, citando-a parcialmente: “para reformar a nação, em especial a Igreja, e espalhar a santidade bíblica sobre a terra”. A frase deve ser recuperada na sua inteireza, pois fará mais sentido agora: “não para formar uma nova seita, mas para reformar...” (* What may we reasonably believe to be God’s design in raising up the Preachers called Methodists? Not to form any new sect; but to reform the nation, particularly the Church; and to spread scriptural holiness over the Land.” Works VIII, p. 299).
Penso que em meio a todo o exercício do convívio eclesial é essencial não deixarmos que nas comunidades suprimam a mesa de santa ceia aberta a todos (as), a começar pelas crianças. É a face mais pública da nossa abertura como Igreja e de nossa recusa a sermos seita. No mesmo rumo, não podemos perder de vista a razão missionária de nossas instituições educacionais.
Há muita gente que deseja ver nossa Igreja envolvida em grandes projetos para ter estações de televisão e rádio, mas devemos encarar que ela já dispõe de uma rede de universidades, centros universitários, faculdades e colégios com igual ou maior capacidade de exercer influência social. Não temos televisão, mas temos a rede de educação que, com todos os problemas, é a mais consolidada, qualificada e influente de todas as igrejas evangélicas do país.
As IMEs devem ser vistas como vasos comunicantes entre nossa Igreja e a sociedade brasileira. Devem ser bem mais que um negócio. A educação para nós, metodistas, é meio de graça. Por meio dela Deus age na vida das pessoas e as abençoa, muitas vezes apesar de nós.
As IMEs ajudam nossa Igreja a não se comportar como seita, ao estabelecer relação entre ela, minoritária, pequena, ainda meio estrangeira, com a sociedade abrangente. São espaços de arejamento, de capacitação permanente de lideranças para a Igreja e para a sociedade. Há algum tempo, dirigentes da Igreja a têm levado a estabelecer com as IMEs relação venal. Em vez de mantenedora, a Igreja Nacional e algumas regiões são mantidas pelas IMEs. Em vez de oferta do altar, mensalidade de estudantes. Em vez de agências missionárias, espaços de promiscuidade.
Paul Tillich definia o (a) falso (a) profeta (isa) como aquele (a) que vendo um muro com rachaduras decide pintá-lo e dá-se por satisfeito (a). Entre confessantes, devemos defender o princípio bíblico e doutrinário do sacerdócio universal de todos (as) os (as) crentes, como antídoto para o culto à personalidade promovido por pastores (as) e bispos que comportam-se como gurus, reduzem a participação leiga à obediência cega e submetem comunidades inteiras ao abuso espiritual. Deve ser antídoto também para a tentação ao governo episcopal despótico.
É preciso relembrar que o metodismo é conciliar, conexional e até episcopal. Nessa ordem.
Em muitos lugares mundo afora o metodismo não é episcopal (Inglaterra, igrejas do esforço missionário inglês e outras como a do Uruguai aqui perto), mas defende o princípio de que o poder na Igreja é exercido a partir dos concílios e que as igrejas devem viver em conexão.
Não é o episcopado que une o metodismo universal. Nos países em que compusemos Igrejas Unidas a primeira coisa de que aceitamos abrir mão é do episcopado. Muito se tem falado e escrito a indicar que o nosso concílio geral mais recente tornou o episcopado mais forte. O que faz uma instituição ser forte são as pessoas que a encarnam. O episcopado não é palavra mágica que tornará forte quem é fraco ou tornará exemplar quem tem conduta reprovável. Preocupa ver que a idéia de episcopado vitalício há muito ronda nossos concílios. O mais recente resolveu de forma leniente, culposa, dar a bispos sem voto o título de bispos eméritos.
Pareceu vergonhoso ser pastor, humilhação voltar à igreja local, quando tudo deveria se legitimar a partir da igreja local. Em vez de bons pastores após um tempo de episcopado, na legítima alternância que a vida republicana exige, bispos eméritos. Falacioso. Houve quem saísse a buscar argumentos a um suposto múnus episcopal, como se o episcopado para nós fosse ordem, como se crêssemos que desde Pedro, apóstolo, o episcopado tem se perpetuado em linha de sucessão.
Lembremos: para nós metodistas a ordem é presbiteral e o episcopado deve ser o humilde exercício extraordinário do presbiterato. Para o bem da Igreja, da democracia interna, é importante termos uma ordem presbiteral forte, bem formada, valorizada e, no essencial, coesa. Episcopado é condição temporária e especial e a depender da continuidade dos abusos, pode vir a ser tomado como excrescência, superfluidade.
Se quisermos ser sal da terra e luz do mundo, precisamos enfrentar as questões do mundo atual, sermos testemunhas nele, porque Deus o amou de tal maneira... (João 3.16). Para isso, é necessária firme defesa dos Direitos Humanos, ampliando o espaço de atuação das mulheres na Igreja e fora dela, mesmo que por constrangimento das cotas, não tergiversando no “amar as pessoas e com elas caminhar até as últimas conseqüências” (Credo Social) e seguindo o único ponto de consenso da Igreja no seu primeiro concílio, o de Jerusalém, na versão de S. Paulo aos (às) Gálatas “e não nos esqueçamos dos pobres”.
Em um mundo em que o mapa das guerras e conflitos armados ainda indica serem as religiões organizadas o maior fator de ódio entre os povos, o ecumenismo é o espaço, também conflitivo, de afirmação e busca da Paz. Não é apenas apelo à unidade cristã. Temos de ser honestos (as): precisamos do ecumenismo como afirmação da recusa das religiões a continuar a espalhar o ódio. Há muita gente pronta a morrer por Deus em todas as religiões. O futuro da humanidade passa por pessoas dispostas sinceramente a viver por Deus e
Nas comunidades locais, precisamos anunciar, na fidelidade a Jesus, que “o que vier a mim, de modo nenhum lançarei fora” em vez de seguirmos, sem compaixão, orientações episcopais desamorosas e vexatórias para segregarmos maçons e nos posicionarmos contra o projeto de lei que torna crime a homofobia, do que se deduz que o Colégio Episcopal considera que a Igreja deve se calar em um país em que a taxa de assassinato seletivo de homossexuais é das mais altas do mundo. Quando leio Stanley Jones, encontro narrativa de como metodistas e outros (as) cristãos (ãs) na Índia arriscavam suas vidas para seqüestrar mulheres viúvas que seriam mortas na cerimônia fúnebre de seus maridos, conforme a tradição em determinados lugares mandava. Não podemos ser reféns da cultura, como não podemos ser reféns do mercado nem de conveniências de momento.
É conveniente o CE aceitar pressões moralistas e somar-se à homofobia que faz pessoas matarem e humilharem o (a) semelhante e mantém impunes pais e irmãos que submetem filhas e irmãs lésbicas a estupros corretivos. Quando assim agem, bispos, bispa e nossos (as) representantes na Cogeam escondem seus medos pessoais e apequenam-se em seus oportunismos eleitoreiros. Enquanto isso, o Congresso Nacional, de tão poucos méritos, discute o assunto: “se vós não clamardes, as pedras clamarão”.
No mais, entre nós, para que o movimento cumpra seu propósito, precisaremos de muita generosidade. A generosidade mútua que permite encarar os escritos e manifestações de cada um (a) como se partissem de coração sincero até prova em contrário, e ser paciente com as ansiedades manifestas e assim por diante. É apenas o primeiro passo de um longo caminho, que nada terá de fácil. No que conflitarmos, poderemos trazer à mente a orientação wesleyana de que “o amor e a verdade tendem a caminhar juntos, mas se em algum momento parecerem conflitar, fiquem com o amor”. Ao ficarmos com o amor, sobreviveremos ao conflito de potencial fratricida e poderemos até nos encontrar de novo com a verdade, que não depende de nossa defesa e de nossas guerras para existir.
Precisamos entender que há muito mais em jogo que a ordem do culto nosso de cada domingo. Deus, em sua misericórdia, decerto, acolherá o karaokê evangélico a que se reduziu boa parte de nossos cultos, se partir de gente honesta, de coração limpo, (des)orientada por seus (suas) pastores (as). O culto não é para nós, é para Deus. Mesmo que não nos agrademos, se for expressão sincera de indivíduos e da comunidade, não caberá a nós fazer juízo. Posso não conseguir acompanhar, posso parecer estátua em culto em que todos fazem polichinelo, mas não é por recusa, mas por entender que se eu acompanhar será artificial, oportunista, e não expressará minha relação com Deus (que é frágil, mas é preciosa para mim). Tenho necessidade dos credos, das antífonas, de muitos hinos, do coral, do café depois do culto. Fico encolhido diante dos abraços forçados pelo dirigente, das mãos sobre a minha cabeça de alguém que resolveu mandar Deus me abençoar. Apavoram-me gritos do pregador, exaltação do dízimo e das exigências financeiras para vaidade e não para o cuidado do próximo, falta da referência nas Sagradas Escrituras como medida para a vida, receituário de auto-ajuda no sermão, duas horas de louvor, a desvalorização do estudo bíblico, da escola dominical, da visitação e de tudo que lembre a disciplina evangélica.
Por fim, sou grato por ser membro de uma comunidade (Santa Helena – Governador Valadares) e participar em outra (Izabela Hendrix – BH) nas quais não sou submetido a nada do que declarei de pesadelo. Por isso, tenho mais dever em cuidar delas e valorizá-las. Bem caberiam nesses tempos, como comunidades confessantes: “sede firmes, inabaláveis e operosos na obra do Senhor” e “não vos canseis de fazer o bem”.
Jaider Batista da Silva
Confessante, com a ajuda de Deus.
Fonte:
Blog Metodistas & Ecumênic@s
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