Igreja e Mercado
E
já que é para brincar de igreja como um mercado, proponho um exercício nesse
texto sob essa ótica, embora, em minha opinião, levar isso a sério é abominável,
a igreja é um espaço de comunhão e de divulgação do reino de Deus e jamais deve
ser tratada como uma empresa, portanto, não levem meu texto ao pé da letra.
Resolvi
fazer uma comparação com o mercado de motocicletas (as quais tenho grande
apreço), para analisar esse mercado e numa visão inusitada traço aqui meu
raciocínio.
Historicamente
a igreja metodista nunca foi uma igreja de massa, e sim uma igreja de nicho de
mercado, com um produto diferenciado. Difícil definir que nicho ou produto é
esse, que não estão necessariamente relacionados à classe social. Diria que
algumas características definem o mesmo, um deles é a pluralidade, a igreja
sempre foi um local aberto discussões, com uma visão plural convivendo em um
mesmo espaço, mas com respeito mútuo sem a imposição de um pensamento
dominante, de acordo com a autonomia da igreja local, temos igrejas há pouco
quilômetro de distância, de diferentes linhas litúrgicas, mas que se respeitam
e entendem essas diferenças.
Uma
segunda característica é a identidade, há aquela identificação com a
instituição, pelo fato de ser conciliar e conexional, um metodista se sente
metodista em qualquer lugar do mundo. Quem nunca teve a reação ao chegar em uma
cidade completamente nova e ver uma igreja metodista "olha, uma igreja
metodista!". No exterior, principalmente, paramos para tirar fotos ao lado
da cruz e da chama.
A
terceira é a conexionalidade, que diz respeito nos trás um respeito, em que
quando mudamos de igreja, levamos conosco nosso "status" ou respeito
de todo trabalho realizado anteriormente, recomendados pelo pastor local o que
permite a "novos" membros de uma igreja local, dar continuidade no
seu trabalho ministerial sem que tenha que "começar do zero".
Pastores aqui não são (ou não deveriam ser) "semideuses", e tem que
dar satisfação a um governo, pessoas podem questioná-los e eles ainda têm seu
trabalho avaliado (o que muitos acham um absurdo), mas é mais uma peculiaridade
desse nosso “mercado”, os leigos têm representatividade nas decisões da igreja.
Essas
são algumas das características da igreja, e que pelo menos eu enquanto
"cliente", me sinto extremamente confortável e satisfeito de
participar dessa instituição. Por isso eu enxergo a Igreja Metodista
historicamente como uma Harley Davidson, uma marca a qual muitos tem uma
identificação profunda, o ronco do motor é inconfundível e você pode
personaliza-la de uma forma a qual a sua seja a única no mundo.
Agora,
se olharmos para as igrejas de massa, vamos ver que são completamente
diferentes, não há nenhum espaço para questionar (ou você está na
"visão" ou está fora, pastores são inquestionáveis, valadões, macedos,
RR’s, Malafaias e etc, não há possibilidade de questioná-los, simplesmente, mude
de igreja. Não há identidade, as pessoas que pertencem à essas igreja, não se
identificam com elas batistas, mas como lagoinenses, ou tem uma identificação muito
mais forte com o líder do que a instituição, a igreja do RR ou do Macedo. Essas
são as Hondas CG, que vendem aos milhões, estão por toda parte, são produtos baratos
e de consumo fácil (aceita cartão, parcelamentos à perder de vista), um pouco
do que a gente vê aí nos cultos “fast-food”. 5 músicas, uma oração, uma
pregação especial, a oferta (essencial!) e o pão com gergelim.
O
que nossos líderes não compreendem, é que não apenas empresas de massa
sobrevivem no mercado, mas pelo contrário, muitas deles sobrevivem durante
séculos, atendendo um nicho que é extremamente fiel a ela e também é muito
respeitada pelos “concorrentes”. Mas o que acontece é que nós queremos nos
tornar igreja de massa, crescer quantitativamente e expulsar quem não se
encaixa nesse novo modelo. O que considero uma estupidez tremenda, já que
"tradicionais" também precisam ir pro céu, e se não tiver igrejas pra
esse tipo de pessoas, simplesmente vamos "descartá-las"? Parece que a
resposta é sim. É o mesmo que tentar lançar uma Harley Davidson popular, para
vender milhões de unidades e ignorar todos aqueles que construíram a marca ao
longo do tempo, o que me parece pouco provável de acontecer.
Agora
eu me pergunto, por que toda essa necessidade de crescer? É simplesmente para
alcançar mais vidas para Jesus ou há alguma razão econômica por trás? Pensando
na perspectiva na visão do crente eu questiono: se eu tenho algumas igrejas de
massa que me atendem perfeitamente, por qual razão eu vou me mudar pra
metodista querendo ser grande? Ou na visão de um não cristão porque ele
escolheria se converter em uma metodista se a mídia gospel os inunda com tantas
outras opções mais atraentes? E as consequências ruins de temos mega igrejas?
Alguns
exemplos de trapalhadas que vi de perto, e pra onde o dinheiro suado dos
membros tem sido desperdiçado ao longo do tempo:
1) A 4ª região comprou um horário na rede super, num horário digamos
"alternativo" sábado à tarde, com um programa de péssima qualidade
editorial e mal feito, nível aqueles canais que ninguém vê "TV senado, TV
justiça". Não deu outra, deixou de existir, não entenderam que para
trabalhar com mídia precisam de técnica e qualidade.
2) Nomearam para a Igreja Central, um pastor "de massa", que chegou
derramando óleo sobre helicóptero pela cidade, não deu outra, os membros de
longa data, se mudaram para presbiterianas e batistas de linha moderada, e
novos membros não vieram. Resultado vai num culto de domingo lá e encontre uma
frequência, inferior até a 50 pessoas. Pelo menos foi o que eu vi na última vez
que passei por lá.
3) O bispo se autonomeou pastor de uma igreja com o objetivo de fazer uma igreja
de 4 mil membros numa das regiões mais carentes de Belo Horizonte, já são 7
anos que isso aconteceu e pelo que me parece, está longe disso ocorrer.
4) Lembro da meta de 1 milhão de membros em 2014 da 1ª região. Onde chegaram? Pelo
menos um terço disso?
Não
adianta querer ser uma Universal, Internacional do poder de Deus, Assembleia de
Deus, não é nosso business. É
fundamental que a Igreja encontre este lugar e preencha vazios que ainda
existam, ser igual as outras, nada mais é que deixar uma outra minoria e
marginalizada à palavra de Deus.
Eu
me pergunto, se todas as igrejas forem iguais, quem não se adaptar a elas, está
fora? Ou seja, se eu não me sentir à vontade num modelo de células, estou
condenado ao inferno? Ou será necessário fundar mais outra denominação nesse
mundo de opções para atender necessidades específicas? As pessoas não podem me
aceitar pensando diferente sem ser um “herege” ou alguém que “semeia a
discórdia” ou “atenta contra um ungido do senhor”?
Não
consigo realmente compreender qual a estratégia por trás do Colégio Episcopal
com essas mudanças que agora começa tentar atacar a formação dos pastores. Tudo
pra mim não passa de uma grande trapalhada de gente que não sabe pensar
estratégia de forma séria e nem sabe aonde quer chegar.
Você
pode me afirmar que igreja, não é empresa e, portanto, não deve ser pensada
assim, e eu concordo. Mas já que a “meta” é ganhar vidas (ou clientes), eu
quero demonstrar que para ter sucesso, não necessariamente é bom que se tenha
mais membros é a única opção possível, mas certamente não é a mais rentável.
Talvez por isso não seja interessante adotar essa “estratégia”, pois querem
crescer para ter mais regiões, retalhar o país para existirem mais bispos com
suas regalias faturando suas dezenas de milhares de reais e mais oportunidades
para pastores crescerem em suas “carreiras”, tudo isso é muito triste e aos poucos
o evangelho vai se rendendo ao dinheiro todo poderoso senhor do mundo gospel da
atualidade.
Pedro Calixto é leigo e membro da Igreja Metodista em Carlos Prates - Belo Horizonte - na 4ª Região
3 comentários:
Muito bom texto!
Coloca o dedo na ferida da IM do ponto de vista estratégico da organização, pois leva em consideração sua história e tradição diante da necessidade de "atender a demanda" das pessoas.
Esse buraco em que a IM está entrando não tem saída; a única saída é a entrada, ou seja, retornar (arrependimento). Haverá humildade para tal?
Bato na tecla da "tolerância". Parece que toleramos "demais" a ponto de comprometer nossa identidade já "aberta", para tornar-se uma identidade quase sem limites, sem fronteiras. Parafraseando um missiólogo americano, "se Igreja é tudo, ela também é nada".
Continue escrevendo, Pedro.
Maurício, que bom que gostou do texto, o objetivo é provocar a reflexão mesmo... E discutir sob a 'mercado religioso', é um exercício para entender o caminho que estão querendo (ou tentando) chegar... Um grande abraço!
Pois é, meu caro Pedro. Eu, que me considero metodista de corpo e alma, debandei para a presbiteriana logo que percebi esses ventos estranhos que, ao que me parece, estão apagando a chama e derrubando a cruz. Ainda encontro, na presbiteriana, a seriedade do evangelho, os hinos, o respeito ao Santo Nome de Deus, mas eu me sinto um pouco deslocado, como alguém de calça jeans numa festa de gala. Sinto que falta algo (e nem entro nas polêmicas de arminianismo x calvinismo); sinto falta desse algo mais que havia na metodista que conheci, que a fazia diferente das demais e que tanto me encantava.
Maurício, haverá humildade para tal?
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