Discurso proferido em 14 de dezembro de 2013 por ocasião da colação de grau da turma do período matutino da FATEO
Magali do Nascimento Cunha
É uma honra e motivo de alegria ser paraninfo desta turma e de uma turma que se chama "Turma Milton Schwantes". Muito obrigada por esta manifestação de carinho e reconhecimento pelo trabalho que eu desenvolvi com vocês. A docência, do ponto de vista teológico e pastoral, é um ministério - e ministério é serviço. Deus nos dá os dons - e no meu caso me deu dois dons: escrever e trabalhar pela informação e pela verdade (o jornalismo) e ajudar pessoas no processo de aprendizado (a docência). E o mais bonito da docência é que podemos aprender também e para isso temos que renovar nossa paciência para ouvir, e respeitar... desafios grandes hoje no nosso tempo.
Outra coisa que me honra e me alegra com a homenagem de vocêsé o fato de eu ser mulher e ser leiga. Com isso vocês dão um belo testemunho de que mulheres e leigos/as têm lugar na vida das igrejas e no ensino da Teologia, em um tempo marcado por posturas cada vez mais sexistas e clericalistas nas nossas igrejas.
Aprendi muito com vocês. Vocês são uma turma bastante heterogênea, cheia de diversidade: faixa etária, localidades, histórias de vida, concepções sobre a fé e a Igreja. Isto é sempre muito positivo, afinal não tem nada mais negativo e anti-evangélico do que se trabalhar para ter todo mundo vivendo experiências e pensando do mesmo jeito num grupo, como algumas denominações fazem acontecer hoje. Até nas famílias a diversidade é algo bem positivo. Tudo isto deve servir de aprendizado.
Mas há nuances que preocuparam nessas diferenças da turma... aprendi que a maioria mostrou valorizar a paz, a humildade, o respeito, a disposição para aprender com as diferenças, enquanto uma pequena parte revelou dificuldade em desenvolver nos relacionamentos estes valores tão cristãos. E eles são imprescindíveis para o pastoreio e a quase totalidade da turma já é ou será pastor ou pastora.
Por isso é meu dever docente e de pessoa homenageada por vocês (minha responsabilidade aumenta no compromisso com vocês!! Paraninfo, ou madrinha, é "meio mãe"), é meu dever indicar quanta responsabilidade está colocada no convite de formatura como texto-chave: “A perdida buscarei... a desgarrada tornarei a trazer... a quebrada ligarei e a enferma fortalecerei... apascentá-las-ei com justiça” (texto de Ezequiel 34.16).
Ser pastor e pastora, mesmo quem não vai assumir o ministério pastoral é chamado a realizar a ação pastoral – da presença da igreja na comunidade e no mundo – é pastor e pastora. Neste texto mesmo de Ezequiel, é Deus quem está falando. Por que Deus é quem fala? porque o profeta denuncia que Deus precisa ele próprio fazer o trabalho porque os pastores que deveriam cuidar do povo (no caso os governantes e os sacerdotes) não estavam fazendo. O profeta dizia “Ai dos pastores de Israel que apascentam a si mesmos! Os pastores não vão apascentar as ovelhas?”
E o profeta mostra como para buscar a perdida, trazer a desgarrada, ligar a quebrada, fortalecer a enferma e apascentar com justiça é preciso ter inspiração em Deus, o Grande Pastor, mais tarde encarnado em Jesus, o Bom Pastor. Ezequiel mostra que o amor infinito e incondicional de Deus contrasta com a ganância e os interesses mesquinhos dos representantes do povo.
Em vez de conduzir as ovelhas a verdes pastagens, eles se fartam a si mesmos. Em vez do cuidado atencioso do pastor carinhoso, eles conduzem as ovelhas com violência e com dureza.
Por isso é que Deus, o verdadeiro pastor, é quem vai fazer o que os governantes e sacerdotes não fazem.
Jesus vai assumir o pastoreio do povo que era como ovelhas sem pastor e vai criticar os pastores de Israel , os escribas e os fariseus, que ao invés de conduzirem as ovelhas a Deus as afastavam dEle. Jesus fala de mercenários... Imagem dura. Mas mostra que ser pastor é o contrário, é estar junto com as ovelhas incondicionalmente: afirma que o pastor acompanha todas, guia, cuida, conduz, abre caminho. O plural “Ovelhas” aqui significa todos que carecem do cuidado de Deus - não só os que estão num só tipo de aprisco. Pastoreio em Jesus passa a ter o Cristo como modelo. Pastorear, é ainda, unir, trazer unidos os membros para o corpo de uma só cabeça. Um só rebanho!
Por isso, volto àquela minha preocupação com a necessidade de quem se prepara para ser pastor e pastora valorizar a paz, a humildade, o respeito, a disposição para aprender com as diferenças...
Responsabilidade grande para o pastoreio hoje: tomar o modelo de Jesus, o Bom Pastor que dá a vida pelas ovelhas. Hoje temos os pastores/as-celebridades, que têm mais o modelo do mercenário descrito por Jesus, e pastores/as que almejam o modelo das celebridades, status eclesiástico: estão aí para mandar, submeter, descuidar, causar contenda, divisão. Pastores e pastoras que cuidam do seu bem estar e se pastoreiam a si próprios, como denuncia Ezequiel, cuidando das ovelhas a distância, ou, fazem uma assistência social aqui, outra ali... - mas não estão no meio, não dão carinho, não acompanham... nem as conhecem... não trazem a dor do outro para si... nem imaginam que dor é a do outro... também não celebram a alegria do outro que nem sabem qual foi...
Por isso, gostaria de terminar minhas palavras dizendo a vocês o mesmo que já disse para outras turmas.
Não vou me cansar de repetir e espero que vocês não se cansem de ouvir: em nome da sua vocação, amem as pessoas com quem trabalharão. E amem a vocês mesmos/as. Garantam o valor da sua vocação. Não atuem na vida da igreja para conquistar degraus na hierarquia eclesiástica, façam suas escolhas e assumam as posturas necessárias de acordo com o que vocês acreditam, de acordo com a formação que receberam, de acordo com a ética do Reino.
Viver o Evangelho é isto mesmo... o gosto doce dos frutos que Deus concede não tem comparação com qualquer destaque na vida da igreja.
Estes são meus desejos de leiga, aquela que é pastoreada, e que precisa continuar sendo pastoreada. Estes são meus desejos, que já tive chance de partilhar com vocês tantas vezes em sala de aula. Meus desejos de leiga, meus desejos de ex-professora e amiga. Estes são também os meus desejos de membro de uma comunidade de fé, que quer ver uma igreja guiada não pelos valores deste mundo, com seus números, competição, exclusão e intolerância, mas guiada pelos valores do Reino, da comunidade, da amizade, da liberdade e da partilha – vocês podem ajudar a escrever esta página na nossa história. Sigam adiante!
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