segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Eleição de bispos: sem discussão e sem debate? Por Roberto Pimenta

No dia 14 de outubro de 2006 eu peguei o primeiro vôo pra São Paulo e do aeroporto de Congonhas segui para a Faculdade de Teologia, em São Bernardo do Campo. Fui, por conta própria, assistir ao último dia da segunda fase do Concílio Geral de 2006, cujo objetivo era concluir a pauta pendente da reunião ocorrida em julho, em Aracruz (ES).

Os relatos do que aconteceu naquela primeira fase do concílio me envergonharam como metodista. Discussões ríspidas, sessões que se prolongaram pelas madrugadas, denúncias de “esquemas” na eleição dos bispos... O Bispo Lockmann chegou a ser ofendido em plenário. Ele disse ao JV, após pregar no Dia do Vizinho em 27 de agosto: “Nunca fui tão desrespeitado como nesse Concílio Geral”.

Com todos estes antecedentes, o clima no auditório da Faculdade de Teologia era tenso. O último assunto seria a divulgação da decisão da Comissão Geral de Constituição e Justiça sobre um pedido de anulação da eleição dos bispos, realizada na primeira fase. Porém, antes disso, foram feitas, e aprovadas sob grande emoção, propostas para que os Bispos Josué Lazier, Geoval Jacinto da Silva e Stanley Moraes, não reeleitos em ocasiões anteriores, fossem agraciados com o título de Bispos Honorários. Estas decisões, surpreendentes, aliviaram um pouco as tensões.

Mesmo assim, o plenário ouviu, num silêncio nervoso, o voto dos seis componentes da CGCJ. Deu empate e o presidente, usando de suas prerrogativas, desempatou a votação, considerando válida a votação. Nas palavras que se seguiram, ficou claro que a decisão foi tomada a fim de se evitar uma crise sem precedentes na Igreja Metodista, mas também ficou nítida a advertência no sentido de que o que havia ocorrido na última eleição dos bispos não deveria se repetir.

Eu gravei todas estas falas e as transcrevi literalmente na edição 1.291 do JV (22/10/2006), dentro do texto de quatro páginas em que relatei o que ocorreu naquele sábado histórico. Infelizmente, parece que aquele duro recado, ouvido por um plenário em suspense, caiu no esquecimento, cinco anos depois.

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Na tarde do último dia 17, eu estava lá na Catedral Metodista de São Paulo, no bairro da Liberdade, mais uma vez por conta própria, para assistir à reunião extraordinária do Concílio Geral que elegeria o novo bispo para a Região Missionária da Amazônia, em função do falecimento do Bispo Adolfo.

Os dois primeiros escrutínios ocorreram tranquilamente, com destaque para os Revs. Nicanor Lopes (5ª. RE), com 49 votos no primeiro e 65 no segundo; Carlos Alberto Tavares Alves (1ª RE), com 41 e 49 votos, respectivamente; e Wesley dos Santos (4ª. RE), com 26 e 30 votos, respectivamente. Tal como no segundo, cada voto do terceiro escrutínio foi “cantado” pelo Bispo João Carlos, que presidia a sessão. Encerrada a “leitura” dos votos, mas antes da divulgação formal do resultado do terceiro escrutínio, o Rev. Wesley levantou-se, foi para o corredor à esquerda de quem olha para o púlpito e, virando-se para o plenário, fez o conhecido sinal de “fim de jogo”, cruzando as mãos na horizontal. O gesto foi repetido mais discretamente por outras pessoas do plenário. Um observador experiente, que não votava, me falou: “Viu o sinal? Os votos do Wesley vão “virar” todos para o Carlos Alberto da próxima vez”.

Então é divulgado o resultado do terceiro escrutínio: Nicanor 64, Carlos Alberto 60 e Wesley 24. Vem o quarto e último escrutínio. Tal como previsto pelo meu “observador”, sumiram os votos para o Rev. Wesley, que migraram, aparentemente quase todos, para o Rev. Carlos Alberto, que obtém 85 votos contra 68 do Rev. Nicanor.

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Não estou aqui contestando a eleição do Bispo Carlos Alberto. Na realidade, ele vem concorrendo há vários concílios e é bastante conhecido, entre outros atributos. Agora era a “bola da vez” (pra continuar na linguagem esportiva). Também não estou sendo inocente a ponto de ignorar que toda eleição, mesmo para bispo, é política, o que pressupõe algum tipo (legítimo) de negociação ou pressão. São por demais conhecidas as negociações e conflitos que ocorrem nas eleições para Papa, para ficar num exemplo clássico.

Duas coisas, porém, me surpreenderam. Em primeiro lugar, os gestos escancarados, nada sutis, para marcar a “virada”. Um cochicho, ou um gesto discreto, no melhor estilo dos políticos mineiros, seria no mínimo mais elegante. Em segundo, a aparente obediência cega à ordem de “virada”. Os delegados do Concílio Geral não são políticos que estão sujeitos à “fidelidade partidária”. Na realidade, por mais forte que pareça o termo, essa obediência me remete ao famoso “voto de cabresto” de triste lembrança de nossa política, no qual os eleitores ignorantes votavam no candidato indicado pelo “coronel”, por medo ou em troca de pequenos favores.

Ainda no plenário, com aquelas cenas na cabeça, fiquei pensando: até que ponto as delegações “pensam e deixam pensar”? Um exemplo claro está na ata da reunião da delegação da 1ª. RE realizada em 3 de dezembro passado, onde está declarada explicitamente a “decisão da delegação em fechar em um nome” [da Região] para a eleição a ser realizada.

Essa decisão traz outras consequências. Por exemplo, não estaria a 1ª RE, com seu poder de voto nos Concílios, “colonizando” as demais regiões em detrimento de eventuais líderes locais? Mal comparando, seria como se o Estado de São Paulo, o mais populoso e poderoso economicamente do Brasil, resolvesse indicar um paulista para concorrer na eleição do governador do Amapá, por exemplo. Uma comparação mais adequada talvez fosse relembrar o que ocorreu nos primórdios da Igreja Metodista brasileira, que antes de se tornar autônoma, tinha bispos americanos nomeados pela Igreja-mãe dos Estados Unidos.

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Faço estas reflexões esperando que os procedimentos nos nossos concílios sejam não só os mais democráticos possíveis, como também obedeçam à legislação canônica. E, principalmente, que as eleições sejam menos politizadas e mais voltadas aos objetivos maiores da Missão da Igreja.

De qualquer modo, as próximas eleições episcopais obedecerão a novas regras, aprovadas recentemente, que envolverão até as igrejas locais nas indicações de candidatos ao episcopado. Vale lembrar ainda que, de acordo com os limites de idade implementados no último Concílio Geral, os bispos Paulo Lockmann e Carlos Alberto não poderão concorrer à reeleição.

Fonte - Jornal da Vila, Edição 1553, 25 de dezembro de 2011

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