sábado, 31 de maio de 2008

Teologia existencial





Por Ricardo Gondim*

Minha nova teologia não se restringe em preparar gente para ir para o céu, quero aprender experimentar, aqui e agora, a vida em abundância que Jesus prometeu.
Por anos, não me dei conta de que agi como um religioso obstinado. Hoje, lamento ter sido um inquisitorial que defendeu a “verdadeira doutrina”; renego ter me sentado na cadeira do fariseu intolerante que espezinhou pessoas simples; choro porque já calei diante de desmandos de gente “famosa” só para continuar bem quisto; tenho vergonha de já ter envernizado minha fala para angariar simpatias de um clero que hoje desdenho.
Para surpresa dos fundamentalistas, mas para alegria dos meus familiares, mudei bastante nos últimos anos. Adianto: não estou nem um tiquinho preocupado em ser bem falado pelos puritanos que tentam ressuscitar a ética vitoriana; não perderei meu sono com os que se escandalizam com meus textos pessimistas. Aliás, aconselho os piedosos que não visitem mais meu site, pois vou continuar escrevendo textos bem sombrios.
Amiga leitora, você não imagina como eu ri quando recebi mensagens eletrônicas de crentes escandalizados com meu arrebatamento profano. Lembra aquela noite quando me deliciei com a cananéia Mercedes Sosa?, foi aquele.
Minha nova teologia não é nova e nem é minha. Ela vem sendo vivenciada por teólogos latino-americanos que se distanciaram do cânon oficial – gente da estirpe de Juan Luis Segundo, Gustavo Gutierrez, René Padilla, Orlando Costas, Leonardo Boff e Jung Mo Sung.
As coisas degringolaram de vez quando me apresentaram Brian McLaren, Rob Bell e os malucos da “Emergent Church”. Realmente, não consigo gostar dos livros do Max Lucado e se não me sinto tentado a organizar minha igreja com os “propósitos” do Rick Warren.
Minha nova teologia carrega o anseio da liberdade. Aceito que sou um romântico desvairado sempre empolgado com essa palavra tão complicada. Eis o motivo porque concordo com Karl Rahner que “a liberdade é sempre mediada pela realidade concreta do espaço e tempo, pela corporalidade e pela história do homem”[1].Assino em baixo com Jürgen Moltmann quando ele diz que “liberdade é um movimento criador". Vibro quando ele afirma que: “Aquele que em pensamentos, palavras e ações transcende o presente em direção ao futuro, este é que é livre. O futuro é para ser entendido como o espaço livre para liberdade criadora”[2]
Não tenho como negar meu apreço por Paul Tillich e por seu conceito de liberdade como fundante do destino – “A liberdade é experimentada como deliberação, decisão e responsabilidade…
Á luz dessa análise de liberdade, torna-se compreensível o sentido de destino”[3]. Gosto das articulações de Jonathan Sacks quando ele afirma que o conceito de liberdade forma o alicerce do vínculo pactual entre Deus e o homem:
O conceito de um vínculo pactual entre Deus e o homem é revolucionário e não tem paralelo em nenhum outro sistema de pensamento. Para os antigos, o homem estava à mercê de forças impessoais que tinham que ser aplacadas...; no humanismo secular, o homem está sozinho num universo cego às suas esperanças e surdo às suas preces. Todas estas visões são coerentes, e cada uma tem seus adeptos. Mas somente no judaísmo encontramos a asserção de que, apesar da sua completa disparidade, Deus e o homem se encontram como “parceiros no trabalho da Criação”. Não conheço nenhuma outra visão que confira ao ser humano tamanha dignidade e responsabilidade “[4].
Minha nova teologia tem como ponto de partida não a teoria, mas a vida com suas ambigüidades e paradoxos. Não parto de premissas teóricas do arrazoamento “científico” da verdade; não me encanto com devaneios conceituais do mundo do "andar de cima"; quero trabalhar com a revelação da história onde ponho os meus pés. Quero perceber o amor de Deus no decorrer da vida com tudo o que ela apresenta de bom e de ruim.
Não pretendo interpretar o mundo, só quero modificá-lo para que nele se antecipe o Reino de Deus. Faço minhas as palavras de Moltmann em sua análise da Teologia da Libertação:“Ao contrário das teologias metafísicas, trancendentalistas ou personalistas, a Teologia da Libertação começa com a história como palco da manifestação de Deus e do encontro do homem com Deus. Com isto ela se liga às tradições bíblicas da história de Israel e da história de Cristo... “[5]. Nesse chão hermenêutico faço minha nova teologia, procurando criar práxis que desmonte estruturas injustas, opressoras e alienantes. Sem desmerecer a ortodoxia, procuro muito mais realizar ações transformadoras da realidade, do que tentar vingar minha exatidão conceitual – “Com isso todos saberão que vocês são meus discípulos, se vocês se amarem uns aos outros” João 13.35.
Minha nova teologia é a antiga “teologia da esperança”. Acho que foi por isso que vibrei tanto com Carlos Mesters quando me ensinou que o relacionamento de Deus com seu povo é um apelo ao dinamismo e não à resignação: A presença de Deus na vida era percebida [no relato bíblico], antes de tudo, como apelo, como dinamismo, como futuro, que atraía e chamava o povo a ultrapassar-se, não permitindo que se acomodasse na estrada. A frase tantas vezes repetida: “Eu serei o vosso Deus e vós sereis o meu povo (Ex 6.7), fazia saber que o relacionamento com Deus no presente era apenas uma amostra-grátis daquilo que ele seria no futuro.
A outra frase, igualmente freqüente despertava o povo a nunca contentar-se com o que já possuía, e a aprofundar onde estava escondido o germe de toda liberdade.Com outras palavras, a presença de Deus era percebida e vivida como o fundamento da esperança que os animava e os fazia caminhar. Ela era uma força que dinamizava a vida para a frente, levando o povo a conquistar-se e a conquistar o futuro que ele entrevia no contacto com esse Deus[6].
Minha nova teologia não se restringe em preparar gente para ir para o céu, quero aprender experimentar, aqui e agora, a vida em abundância que Jesus prometeu.
Por fim, acho que minha nova teologia tem uma pitada de existencialismo – não sei se Kierkegaard gostaria de saber disso - porque acredito que o Reino de Deus já está entre nós; peço que Ele me dê olhos para ver, ouvidos para ouvir e coração para sentir esta realidade
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Ricardo Gondim é pastor da Assembléia de Deus Betesda no Brasil e mora em São Paulo. É autor de, entre outros, Orgulho de Ser Evangélico.Para ler mais acesse os arquivos do link: http://br.groups.yahoo.com/group/LittleThinks/

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