O povo do coração aquecido está esfriando – intervenção na Faculdade de Teologia da Universidade Metodista
“e, por se multiplicar a iniqüidade, o amor de muitos esfriará.” – Mateus 24:12
Era uma noite extremamente fria, destas do inverno paulistano. Além do frio intenso, caía a garoa típica, acompanhada de uma forte neblina. Eu, dentro do carro, bem agasalhado, porém sentindo que era uma noite extremamente fria.
Quando, por volta de quase meia-noite, avistei um senhor calvo, magro, na calçada organizando uma pequena fila de moribundos. A cena era bastante triste. Como era tarde, passei rapidamente, mas a cena me ficou gravada.
Outro dia fui em busca de saber que local era aquele, e descobri que era um abrigo para pessoas carentes. Nas noites frias oferecem um leito e uma sopa quente para aqueles que nada têm. Descobri que aquele abrigo pertencia à Igreja Metodista, e que o senhor calvo e magro era na verdade o Bispo Nelson.
Fui pesquisar quem eram os metodistas, pois na época desconhecia esse povo. Descobri que este era o povo do coração aquecido, um povo que tem em sua regra de fé a promoção da vida através do seu credo social. Um povo que tem como idealizador John Wesley, o homem ao qual com certeza o Bispo Nelson se espelhava, juntamente com Jesus, naquela noite fria.
Isso foi tão marcante para mim que, apesar de ser um pentecostal já desconfiado das inúmeras heresias que já adentravam em minha igreja, fui despertado a iniciar meus estudos na Faculdade de Teologia da Igreja Metodista, a FaTeo em São Bernardo do Campo (SP). No decorrer dos anos, não demorou muito para também conhecer muitos metodistas que não seguiam os exemplos de Wesley, porém também descobri seres humanos como a Profa. Magali, seu esposo, Bispo Paulo Aires, Bispo Nelson, Prof. Milton Schwantes, Prof. Helmut, Prof. Oswaldo e outros e outras que, além de seguirem os exemplos de Wesley, se fundamentavam na vida de Jesus.
A experiência na FaTeo foi marcante. Entrei como um pentecostal desanimado, machucado, sem esperanças e saí com um conhecimento amplo do que é a vida religiosa e como caminhar nessa árdua carreira. Saí melhor, pois descobri que Jesus caminha conosco nessa caminhada e por isso nossos corações se aquecem.
Já se passaram anos desde a minha formação, porém continuo sendo um filho da FaTeo. Por isso, nessa semana as notícias que recebi me entristeceram muito.
Tenho viajado muito ao Rio de Janeiro e já havia percebido que a igreja carioca está bastante mudada, pois elementos neopentecostais fazem parte da igreja metodista agora. Recentemente, passei em frente de uma igreja e vi uma faixa que anunciava uma campanha de curas e milagres. Imaginei: “será que é mesmo uma igreja metodista?”. Sim, era mesmo.
Hoje o G12, células, pré-encontro, encontro, pós-encontro fazem parte do contexto metodista. Hoje a teologia wesleyana é trocada por teologias da Batista da Lagoinha, Renascer, Daniel Mastral, Neuza Itioka e outras. Triste, muito triste.
Porém, na semana passada chegou até mim um manifesto onde os próprios metodistas se declaram assustados com essa perda de identidade e também perda dos seus valores essenciais.
Imaginei que isso seria o fim, mas não. Era o início de muitas coisas más.
Recebi também a carta de um pastor ao seu bispo comunicando que o Colégio Episcopal estava para demitir os principais professores da FaTeo a partir do ano que vem, e todos os professores até 2016. Será feita uma troca, e não me assusto se esses professores que ali estão há décadas zelando pelas essências da Teologia Wesleyana venham a ser trocados por ícones dessas vertentes neopentecostais e da Teologia da Prosperidade, pois são essas teologias “que enchem a igreja”.
Sendo assim, não me resta outra alternativa a não ser demonstrar a minha indignação e tristeza com tudo isso. Talvez me perguntem: “mas você não é metodista! O que você tem a ver com isso?”
Tenho muitas coisas. Primeiramente, respeito e depois gratidão por tudo o que aprendi, e entre os principais valores aprendi a zelar pela Palavra de Deus.
Acho uma injustiça que professores e professoras, depois de dedicarem suas vidas em prol da edificação de homens e mulheres na Palavra de Deus sejam lançados fora como peças obsoletas, e sejam substituídos por outras peças, que agora se encaixam aos propósitos da nova liderança da igreja.
A FaTeo é um patrimônio histórico, pois sempre abrigou as diferentes formas de credos, sejam elas metodistas ou não. Sendo assim, a FaTeo não pertence só à Metodista. Ela é um patrimônio humano.
Sei que minha voz pode ecoar baixo, mas eu sou fruto da esperança. Eu sou fruto da fé, firme fundamento daqueles que crêem que um mundo novo é possível.
Que isso não aconteça. Esse é o desejo que aquece o meu coração.
Que Deus abençoe a todos,
Paulo Siqueira
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