terça-feira, 4 de junho de 2013

A juventude quer viver


A juventude quer viver


Skatista, ciclistas e rollers. Esses são os frequentadores que a Praça Roosevelt costuma atrair todas as noites; no entanto, a noite de quarta-feira passada (29/5) trouxe um público distinto. Jovens de diferentes tradições e denominações religiosas uniram-se em torno de um mesmo ideal: defender a juventude ao invés de encarcerá-la.


“A juventude quer viver”. Este foi o lema e o nome dado ao ato inter-religioso contrário à redução da maioridade penal. O evento foi organizado e promovido por jovens e para jovens que, de sujeitos de direitos, tornaram-se objetos de violações destes mesmos através de leis que pretendem engordar as celas dos presídios brasileiros, com o pretexto de erradicar a violência que acomete o país.




  Figura 1: KOINONIA e REJU participam do ato inter-religioso. Foto: Nina Boe



A redução é hoje o tema mais polêmico em discussão na sociedade civil. Os últimos crimes cometidos por menores infratores são levantados como bandeira pela grande mídia a favor de mudanças na lei penal brasileira. KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço já se pronunciou contra a redução por acreditar que a violência possui raízes mais profundas e complexas que vão além da maioridade penal. 

A Campanha “O amor lança fora todo medo” participou do ato com a ação de repúdio à violência cometida contra as meninas no país. As estatísticas são alarmantes: 14 crianças, com idade abaixo de 10 anos, são estupradas diariamente no Brasil. A Campanha acredita que a mídia traz à tona apenas aqueles crimes perpetrados por estranhos e que ocorrem nos espaços públicos. Contudo, a maioria dos crimes sexuais contra as meninas acontece dentro de casa e são praticados por alguém próximo, como o pai, tio ou padrasto. Durante todo ato, tais estatísticas foram apresentadas nos corpos de meninas feitas de papel.





Figura 2: Ester Lisboa, calada, carrega menina com estatísticas.

Os luzeiros


O ato foi compartilhado por meio de cinco luzeiros espalhados pela praça que representavam temas relevantes e carregavam provocações artísticas iluminadas pela luz do fogo. “A luz ao mesmo tempo em que revela e denuncia realidades muitas vezes apagadas, é também um forte símbolo de esperança. Assim foi a nossa caminhada, denúncia e esperança”, explica Alexandre Quintino, metodista, articulador da Rede Ecumênica da Juventude (REJU) e voluntário do Conselho Latino-americano de Igrejas (CLAI). 




Primeiro luzeiro: Quem cala a sua voz? A falta de oportunidades cala, políticas públicas precárias calam, o Estado cala, a mídia cala, a sociedade cala. Todos calam, mas quem permanece calado? Com suas bocas tampadas com fita-crepe, um coletivo ecumênico decidiu se expressar escrevendo cartazes com suas aflições acerca da situação em que a juventude está inserida atualmente.


Figura 3: tochas iluminaram os luzeiros. Foto: Nina Boe



“Todos os participantes do ato foram, com suas bocas ainda fechadas pela opressão e pela desigualdade sem limites, convidados a expressar o que cala a boca da juventude. Não restaram dúvidas: violência, desigualdade, opressão, falta de oportunidades, desrespeito, falta de confiança. No primeiro luzeiro todos abrimos nossos olhos e nossas bocas para ver e gritar contra o que oprime a vida da juventude”, denuncia Frei Brayan Filipe.

Segundo luzeiro: Quanto vale a sua voz? A voz de um aluno da escola pública vale R$ 15 mil por ano para o Estado. Já para um detento, este valor sobe para R$ 40 mil anualmente. Mesmo assim, suas vozes permanecem abafadas pela precariedade em que se encontram os dois sistemas. Isto mostra que não é a quantia gasta pelo Estado que determina o direito de falar nesta sociedade.


Figura 4: fitas-crepes silenciam a voz da juventude


Neste luzeiro, a voz retornou às cordas vocais de direito. A Cia Basalto de Artes, do Capão Redondo, apresentou uma peça emocionante sobre a circunstância em que milhões de famílias brasileiras se encontram, enquanto que os rappers MC Rahsan e Sharylaine rimavam suas denúncias. Ao final, Caroline Borges declamou com voz forte a música e poesia de autoria dos Engenheiros do Havaí sobre quem nos cala.




 Figura 5: Caroline Borges declama uma poesia. Foto: Nina Boe.

“No segundo luzeiro vivenciamos a dor, a indignação e o desespero provocados pelo descaso das pessoas, do governo e das igrejas. Um momento de denúncia que nos provocou uma dor na alma, por sermos tão apáticos a realidade, como se fôssemos pessoas sem alma, sem coragem, verdadeiramente corpos - carnessecas”, destaca a anglicana Ester Lisboa, assessora do Programa Saúde e Direitos de KOINONIA. 




Figura 6: MC Rahsan representou a Periferia de SP.


Figura 7: Sharylaine foi a primeira mulher a gravar um LP de hip hop feminino.

Figura 8: Cia Basalto de Artes emocionou o público de forma sensível.

Terceiro luzeiro: Qual a cor da prisão? Negra, esta é a cor que prevalece em 60% dos presídios brasileiros. Não só da cor tratou-se este luzeiro, mas também do analfabetismo, da escassez do mercado de trabalho e das injustiças impressas em cartazes e lidos em voz alta pelos participantes do ato.
Figura 9: participantes carregavam placas com estatísticas relevantes à juventude.

“Cada vez que alguém gritava as frases das placas, a realidade soava como um susto. É inacreditável que somente 12% dos jovens frequentam o ensino superior, e é mais difícil ainda acreditar que além de não estarem estudando só metade da juventude brasileira está trabalhando. O jovem não é sinônimo de coisa boa na nossa sociedade, o que existe é um sistema punitivo que os mantém presos e sem acesso aos estudos, cultura e lazer”, desabafa Leninha Silva, atriz da Cia Basalto de Artes.

Quarto luzeiro: O que move a punição? Não é o crime que move a punição no Brasil. É a desigualdade. A população carcerária da Fundação Casa é composta na sua grande maioria por jovens pobres, negros e periféricos que, ao invés de serem reabilitados e ressocializados como deveriam, são esquecidos em celas imundas e superlotadas. E do que eles reclamam? Da comida fria, da roupa suja, da meia trocada a cada 30 dias, da falta de desodorante. Estes foram os depoimentos dos meninos que estão na Fundação Casa e que foram lidos pelos participantes no quarto luzeiro.


Figura 10: Selma Silva compartilhou sua dor de mãe. Foto: Nina Boe.

“Achei muito importante dar voz realmente aos que sofrem pelos problemas da Fundação Casa que não reintegra, não educa e só os coloca em uma situação mais miserável. Além disso, o depoimento da Selma Silva, uma mãe que passou por uma dura situação enquanto seu filho estava preso, foi muito emocionante”, afirma Lívia Lima, católica e membro da Pastoral da Juventude Lívia Lima.

Quinto luzeiro: Direitos pra quem? A juventude tem direito à educação de qualidade gratuita e pública; à liberdade de expressão; à cultura; à saúde pública de qualidade; entre outros. A juventude tem direitos assumidos e protegidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente dos quais os jovens do movimento ecumênico que ocupou a Praça Roosevelt reivindicou de mãos dadas e cantando. 




Figura 11: uma ciranda finalizou o Ato. Foto: Nina Boe.

“Apesar do ambiente de festa e alegria, é triste pensar que muitos jovens – principalmente negros – ainda têm seus direitos tolhidos, como cultura, mobilidade, educação de qualidade e principalmente à vida. Direitos que são sufocados por um sistema que exclui, estereotipa, discrimina, encarcera e que mata. Cirandamos na esperança de ver uma sociedade mais justa, onde os direitos da Juventude são respeitados e crendo que ‘felizes são aqueles que têm fome e sede da justiça, pois eles serão saciados’”, declara o metodista Cristiano Santos, membro da REJU.



Figura 12: Jovens de diferentes tradições religiosas se uniram para o Ato. Foto: Mauro Di Domenico Leite.


O Ato Inter-religioso “A Juventude Quer Viver” foi organizado por Agostinianos do Vicariato da Consolação; Conselho Latino-Americano de Igrejas (CLAI); Fundação Luterana de Diaconia (FLD); KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço; Movimento 18 Razões; Pastoral Carcerária; Pastoral da Juventude; Rede Ecumênica da Juventude (REJU); Rede Fale; Revista Viração; Serviço Franciscano de Solidariedade (SEFRAS).

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