quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Recriando o Metodismo a partir do Pentecostes

RECRIANDO O METODISMO A PARTIR DO PENTECOSTES

ENCONTRO CAIPIRA EM BELISÁRIO
Por Moisés Coppe

Segundo o cientista social Boaventura de Souza Santos, em sua obra A Crítica da Razão Indolente (Cortez: 2002): “Há um desassossego no ar. Temos a sensação de estar na orla do tempo, entre um presente quase a terminar e um futuro que ainda não nasceu”.
Ora, o que Santos evidencia é o fato de que o desassossego é paradoxal, pois revela-nos os excessos do determinismo e dos indeterminismos. Os primeiros estão relacionados à aceleração da rotina. Os segundos à desestabilização das expectativas. Dessa constatação, surge a ocorrência de rupturas e a eventualidade de catástrofes pessoais e comunitárias. O desassossego é, para Santos, a resultante da desorientação dos mapas cognitivos. Os mapas que sempre nos foram familiares deixaram de ser confiáveis, de onde decorre a nossa sociedade intervalar (Santos, p. 41). Assim, se decantarmos nossas intenções a uma razão indolente (preguiçosa), então, aceitaremos o futuro como ele se configura e nenhuma ação decorrerá. Mas, se ao contrário, não aceitarmos a experiência decorrente desse tempo de transições – embora seja muito obsoleto falar de transições – então alguma utopia precisa permear nossas possibilidades em mutações.
Num mundo marcado pelas demandas do esquisito e inusitado, constatações seguras precisam ser formuladas com o intuito de cunhar nossas utopias ou paradigmas. Um breve olhar sobre a vida social denota a todos nós que o egoísmo e a cobiça crescem de forma assustadora. As mega-corporações batem, mês a mês, recordes nas produções. Pessoas se entregam diariamente à amizade virtual através dos micro-computadores e note book´s. Os relacionamentos tornam-se paulatinamente mais frios e calculistas. A natureza geme ante a agressividade dos poderosos que vêem matéria bruta com os olhos da lucratividade. Não se importam com os meios desde que o fim seja o enriquecimento.
Quanto ao ambiente religioso, nunca se falou tanto de Deus, mas também de formas equivocadas. O número dos novos movimentos religiosos que surgem, mostram-nos a fragilidade da fé e dos milhares de “cultos”. Ora, fé, entendida nos diversos movimentos presentes neste chamado mundo pós-moderno, é na verdade um sentimentalismo emocionado na vivência daquele(a) que sente um arrepio no “culto”. Ademais, busca-se prioritariamente a satisfação das necessidades básicas. Busca-se o sagrado, mas ao mesmo tempo este sagrado deve alimentar, curar, vestir, enfim, dar prazer. A ausência do Estado dá margem à religiosidade agressiva.
Um importante desafio para os cristãos do presente século tange à recriação da igreja e de suas organizações secundárias – grupos societários, ministérios, associações etc., a partir da lógica do pensamento peregrino de John Wesley, o fundador da Igreja Metodista. Frisamos, de antemão, que Wesley nunca escreveu um tratado sobre a igreja. Ele era um teólogo do caminho. Por isso, sempre buscou a renovação e o equilíbrio entre fé e obras. Por exemplo: certa feita Wesley reclamou dos pregadores que “se esquecem de suas obrigações morais, desprezam a santidade como se fosse lixo, ensinam às pessoas esse caminho fácil para alcançar os céus, a fé sem obras”. (BARBOSA. Adoro a Sabedoria de Deus, p. 373). Ainda, em consonância com a argumentação anterior, Wesley atesta: “Não reconheço como tendo um grão de fé a pessoa que não faz o bem, que não está disposta a empregar toda oportunidade que tenha em fazer o bem a todos os homens” (idem, p. 373). Finalizando, diz que “o peso de nossa religião, como nós entendemos, reside na santidade de coração e da vida. (...) Não queremos gastar o tempo com disputas, queremos gastar o nosso tempo e nos gastarmos no anúncio da religião autêntica e prática” (idem, p. 373). Mas a renovação eclesiástica praticada por muitos líderes é outra, marcada pelo sensacionalismo, pelo emocionalismo e pelas promessas metafísicas.
O que muitos líderes religiosos têm feito com a igreja é banalização. É claro que em muitas épocas da história eclesiástica, essa atitude de tratar a igreja como objeto factível de desenvolvimento dos ideais personalistas sempre esteve presente. Mas, o que se vê hoje é uma religiosidade coligada às estruturas espoliantes do mercado. O Evangelho tornou-se, para estes, mero produto dos projetos de marketing. Paulo, na epístola à Roma escreveu: “Não me envergonho do Evangelho, pois ele é a força de Deus para a salvação de todo aquele que acredita, do judeu em primeiro lugar, mas também do grego”. (Rm. 1: 16). Em contraposição ao argumento paulino, esta estirpe de “evangelho” baseado na prosperidade e nas ansiedades da atualidade causa espanto e vergonha.
O cenário político também é suspeito. A qualidade dos nossos “poderes” tripartites e da estrutura bicameral revelam-nos como estão “preparados” nossos governantes. Bem sabido é por nós que Antônio Gramsci sempre afirmou nos seus escritos filosóficos, a saber, os “Cadernos do Cárcere”, que toda atividade é, em suma, atividade política. Se aceitarmos essa afirmação, então nossa prática de fé e de vida também é atividade política. Nosso relacionamento pessoal e familiar também se constitui como atividade política. A sexualidade é atividade política. Nossas decisões e escolhas são, em última instância, atividades políticas. Até mesmo, o lugar que escolhemos para nos assentarmos dominicalmente no templo é espaço de manifestação política. Por outro lado, evidenciando uma contraposição esquizofrênica, sempre afirmamos que não “discutimos política”. Talvez, por causa dessa lacuna gerada pela nossa indiferença, políticos medíocres, inclusive “evangélicos”, estejam assumindo cargos da elite no cenário brasileiro.
Nossa vida social também se encontra castigada por informações de todos os tipos, para todos os gostos. Notícias de outros continentes nos chegam rapidamente e em tempo real. Por certo, a tecnologia avança de forma assustadora e veemente. Vale ressaltar, assim como Júlio de Santana, que em um mundo dotado de uma tecnologia capaz de erradicar a fome de todo o planeta, é inconcebível a idéia de pessoas morrendo de inanição. Mas, de qualquer forma, a tecnologia midiática extrapola todas as possibilidades do raciocínio.
E o que dizer da anorexia e da bulimia, reflexos de um mundo esquisito, marcado pela ditadura da estética. Uns morrem porque não têm o que comer, outros ficam doentes e até morrem porque, mesmo tendo o que comer, por causa dos padrões de beleza vigentes no “mundo” da moda, assumem a postura irresponsável do culto ao corpo em detrimento do próprio corpo.
Diante deste quadro crítico, visualizado sucintamente, reafirmamos que a teologia wesleyana pode nos apresentar algumas pistas significativas. A consistente e persistente busca pela salvação, sempre evidenciada por Wesley centralizou, sem sombras de dúvidas, a doutrina da perfeição cristã. A vontade e empenho em entregar “todo o coração e toda a vida a Deus” (RUNYON. Nova Criação, p. 125), possuía duas vertentes: a primeira, talvez influenciada pela leitura dos místicos católicos, levava Wesley a considerar que o comprometimento com a perfeição cristã estava ligado diretamente a uma condição de santidade marcada pela obediência à Lei de Deus, bem como à prática de obras visando o prêmio final. Em segundo lugar, a perfeição cristã entendida como dom de Deus (KLAIBER, Viver a Graça, p. 313), fruto da manifestação da graça sobre o ser humano (conforme sermão 83,9).
Essas duas características, aparentemente opostas, são argumentadas pelo próprio Wesley, em seu tratado: “O caráter de um metodista”:
Não estabelecemos a totalidade da religião (como fazem muitos e Deus sabe muito bem) em não fazer o mal, nem em fazer o bem ou em seguir os mandamentos de Deus. Nem tampouco todos esses aspectos juntos, porque sabemos por experiência que uma pessoa pode dedicar-se a isso por muitos anos e no final não possuir uma religião verdadeira, nada melhor do que tinha antes. (Obras de Wesley. Tomo VIII, p. 28ss).

A simples postura da observação dos mandamentos ou o seguir cego de orientações e regras é rechaçado por Wesley. Isso se confirma ainda na expressão: “Que o Senhor dos meus antepassados me preserve de uma religião tão miserável! (Obras de Wesley. Tomo V, p. 18 & 19).
Na seqüência, Wesley se opõe com veemência contra aqueles que criticam o ser metodista. Assim ela afirma:
Metodista é quem tem o amor de Deus derramado em seu coração pelo Espírito Santo que lhe foi dado; quem ama o Senhor seu Deus com todo seu coração com toda a sua alma e com toda a sua mente e com todas as suas forças. Deus é a alegria em seu coração e desejo de sua alma, que clama constantemente: “A quem tenho no céu senão a Ti? Fora de ti não desejo nada na terra! Meu Deus e meu tudo. Tu és a rocha em meu coração e minha porção para sempre!” (Obras de Wesley. Tomo V, p. 19).

Há, neste sermão de 1738, a conjunção conflituosa entre esforço humano e gratuidade de Deus. Entretanto, a aparente contradição se encerra quando o próprio Wesley atesta:
Guarda os mandamentos de Deus com toda a sua força, pois a obediência está em proporção ao seu amor, a fonte pela qual flui. Portanto, amando a Deus como todo coração, lhe serve com todo vigor. Continuamente, apresenta sua alma e corpo em sacrifício vivo, santo, agradável a Deus, completamente e sem reservas, entregando tudo o que possui e a si mesmo para a sua glória. Todos os talentos recebidos, todo poder, toda faculdade da alma e cada membro do corpo, emprega-os constantemente de acordo com a vontade do Mestre. (Obras de Wesley. Tomo V, p. 19).

A importância dada por Wesley ao tema da perfeição cristã se confirma claramente pela dedicação e estudos evidentes ao longo de cinqüenta e dois anos. As muitas revisões do seu estudo denotam que a mesma doutrina estava em evidência na sua formulação teológica. Mais que isso – consistia em ênfase centrada na salvação do ser humano, na nova criação provocada pelo novo nascimento e pela entrega completa da vida a Deus. A salvação alcançada provocaria uma nova vivência. O crente não seria salvo pelas obras, mas justificado mediante o Espírito com o fim de realizar boas obras entre todos os pobres e necessitados.
Então, é na perspectiva dessa ênfase wesleyana que adotamos um importante paradigma, ou seja, o de vivenciar a experiência da fé de forma mais audaciosa e servil. Só assim, podemos manifestar oposição ante ao atual contexto marcado pela proliferação de movimentos religiosos, os mais diversificados. A doutrina da perfeição é uma orientação espiritual das mais significativas e condizentes com os princípios e valores do evangelho genuíno. Mas, além disso, necessita de uma prática vital marcada pela tônica da dedicação ao outro em uma dimensão relacional.
E aqui, cabe-nos refletir um pouco sobre a obra O Cristo de Todos os Caminhos de Stanley Jones. Essa obra muitas vezes é interpretada erroneamente. A análise consistente da Teologia das Religiões ou mesmo a necessidade de um diálogo interreligioso conclama a reflexão atual a uma temática pluralista. Entretanto, a obra de Jones não se refere à urgente necessidade desse campo supracitado.
Jones elabora sua temática na direção de pensar a Igreja inserida na dimensão do Pentecostes. Para os incautos, uma observação: o Pentecostes para Jones nada tem a ver com o pentecostalismo. Segundo este autor: “Por que será que quando se fala à Igreja de hoje a respeito do Pentecostes as pessoas cultas sentem um calafrio percorrer-lhes a espinha dorsal?” E corrobora:

Bem, uma coisa é que o pentecostalismo tem causado um grande mal ao Pentecostes. Os ridículos ridicularizaram o Pentecostes. Fizeram-no de tal maneira que muitos procuram evitar o uso do termo. Mas as palavras, como as pessoas, devem ser redimidas. A Igreja é grandemente responsável por esta situação. Tendo negligenciado esta parte tão importante do Evangelho deixou almas famintas e estas agora são levadas por grupos mal orientados e exóticos. Nestes grupos o emocionalismo desenfreado tem sido identificado com o Pentecostes. E, realmente, a mente pensante do presente século não suporta a religião do puro emocionalismo. (JONES. Obra citada, p. 39).

Ora, Jones continua sua argumentação afirmando a impossibilidade de separar-se emoção da razão. Realmente, é possível concordar com Jones, pois a anulação de qualquer uma dessas duas esferas significa a mutilação da espiritualidade. Numa linguagem puramente wesleyana, pode-se falar que a boa resolução do Pentecostes na espiritualidade metodista depende, necessariamente, da experiência, da razão, da tradição, da criação e, claro, da Bíblia.
Então, ao pensar em qualquer movimento alternativo que queira a recriação de posturas que evidenciem a tônica do equilíbrio, torna-se fundamental a conscientização de que é na vida prática, aliada à teologia que se desfia no caminho no contexto da igreja local que a nossa palavra encontrará eco. Acho que a teorização bem elaborada de aspectos doutrinais ou o levante morto de liturgias cheirando a mofo não pode contribuir para o nosso propósito maior que é, em suma, sinalizar o Reino de Deus e sua justiça.
Mas então? O que fazer diante das desconstruções religiosas presentes em nosso contexto metodista?
Responder a essa questão não é tarefa fácil, mesmo porque todos estamos elaborando perguntas, fazendo análises e alcançando poucas, muito poucas respostas. Mas é inegável o fato de que alguma coisa precisa ser feita. E aqui não cabe o ditado popular que afirma: se não pode vencê-los, junte-se a eles. Em nossa concepção, é bem mais propício o que diz: Gato escaldado tem medo da água fria. Por certo, as experiências passadas que provocaram cisões e divisões continuam a provocar temores e calafrios.
Vale dizer ainda que o problema que enfrentamos não é novo. Os primeiros metodistas enfrentaram situações similares. Inclusive,

No verão de 1781, John Wesley recebe da sociedade metodista de Yorkshire uma carta assinada por diversos líderes, a respeito de uma questão bastante difícil. Já que Wesley incentivava e até exigia que todos os metodistas continuassem participando dos cultos da Igreja Anglicana, o que deveriam fazer quando ouvissem dos ministros anglicanos doutrinas falsas? [...] O que fazer: ouvir e engolir calado? [...] A questão foi colocada na conferência. Como o problema era comum a toda Grã-Bretanha, Wesley permitiu que os pregadores, membros daquele conclave, falassem a respeito. Depois do debate, decidiu-se unanimemente que “todos os metodistas, educados como metodistas, assistam aos serviços da Igreja Anglicana tão frequentemente quanto possível; porém, quando o ministro começar a pregar sobre os Decretos Absolutos ou ridicularizar a doutrina da perfeição cristã, eles devem, calada e silenciosamente, sair da igreja, retornando na próxima oportunidade”. (BARBOSA. Adoro a Sabedoria de Deus, p. 27).

 Acho interessante o posicionamento dessa conferência e entendo que nossa postura, de alguma forma, precisa ser similar a esta. Não vamos fazer oposição frente aos movimentos complexos desse tecido religioso conturbado, principalmente no nosso chão metodista, tampouco levantar bandeiras tresloucadas, mas nos posicionarmos politicamente dando as costas aos absurdos “terrológicos” presentes em muitas das nossas comunidades. Outrossim, a grande resposta que qualquer metodista pode dar na atualidade se expressa na lógica da kenosis e da diakonia, ou seja, do esvaziamento e do serviço. E esvaziamento e serviço se configuram de forma emblemática na igreja local. É na simplicidade de nossa dedicação na igreja local que a resposta dos metodistas e confessantes será indelével.

2 comentários:

Hideide Torres disse...

Reflexão pertinente em tempos tão caóticos... Não há palavras para expressar esse sentimento tão estranho que vem nos tomando nestes últimos tempos... Que Deus sopre o vento do Espírito e disperse a poeira da nossa ignorância, enchendo-nos do conhecimento Dele como as águas cobrem o mar...
Abraços

Altair disse...

Pessoal vamos atualizar o blog . . . . .