terça-feira, 24 de julho de 2012

Somos pastores com ovelhas e ovelhas com pastores.

Somos pastores com ovelhas e ovelhas com pastores.



De Culto Matutino 22/07



Sermão pregado no Culto Matutino de 22 de julho de 2012 na Igreja Metodista do Itaim Bibi, por ocasião do 5º Encontro Nacional de Metodistas Confessantes.


Primeira Leitura: Jeremias 23.1-6
Segunda Leitura: Efésios 2.13-18
Terceira Leitura: Marcos 6.30-34

Os que são chamados ou pelo menos reconhecidos pela alcunha de discípulos(s), encontram-se envolvidos numa ação evangelizadora no mundo e na sociedade onde estão inseridos. De fato, o discipulado é uma tarefa de pastoreio de vidas e confronto das injustiças. É uma ação cotidiana que parte daqueles(as) que desejam ou almejam parecer-se com Jesus e espalhar a solidariedade aos outros na dimensão do cuidado.

As narrativas do Evangelho de Marcos, escritas após o ano 70, afirmam que o(s) primeiros(as) discípulos(as) enfrentaram o referido desafio. Aliás, além da perspectiva do cuidado, Rikk Watts salienta que este mesmo Evangelho possui em seu bojo três perguntas chaves:

1. Como o Reino de Deus se manifesta entre nós?
2. O que significa ser cristão?
3. O que significa, de fato, seguir a Jesus?


Além dessas perguntas, os discípulos tiveram também que se esforçar para a vivência da compaixão segundo os moldes da pregação impulsionada pelo mestre de Nazaré.
No relato evangélico destacado, nos deparamos com os discípulos retornando de uma missão. O contexto dessa missão segue-se ao relato da morte de João Batista, numa clara alusão ao fato de que a ação evangelizadora precisava continuar. João é morto, mas a mensagem que transforma vidas não está morta. E os discípulos agora são os portadores da mensagem de boas novas. Ora, depois das andanças, das partilhas, dos encontros e desencontros, os discípulos estavam cansados e exaustos e Jesus os chama para o descanso em um lugar tranquilo. Esse descanso, merecido por sinal, era essencial para os peregrinos do Caminho e o mestre sabia disso. 

O ritmo alucinante de vidas envolvidas com vidas, na esfera da ação evangelizadora, acaba provocando cansaços, os mais diversos e até mesmo a exaustão. Porque essa ação é um corredor aberto onde pessoas e suas histórias transitam, impelindo-as a saírem de suas mediocridades com a finalidade de alcançar novas possibilidades na espiritualidade encarnada do evangelho. Dessa forma, então, nos deparamos com um ciclo onde as vivências no referido corredor exige também o descanso e vice-versa.

E nesse ponto cabe-nos uma observação, pois há um perigo constante quando nos envolvemos em demasia numa frente que visa a promoção da vida. Enquanto o sangue está aquecido pelo empenho, as coisas caminham bem, entretanto é igualmente necessário, num momento segundo, nos protegermos em uma caverna qualquer, sob os cuidados da graça de Deus. Jesus sabia disso, e por isso, convida seus discípulos ao descanso num lugar silencioso.

De igual modo, o lugar de silêncio é sempre um lugar que oportuniza escutarmos, uma vez mais, a voz de Deus através da oração e da interpretação da sua palavra. Não existe ação desvinculada de devoção, assim como não existe devoção desvinculada de ação. E nesse ponto de nossa reflexão, somos novamente chamados ao viver equilibrado, tão preconizado por João Wesley. Encontramos a mesma dinâmica do equilíbrio nas linhas reflexivas de William Barclay: “O ritmo da vida cristã é a alternância entre o encontro com Deus em um lugar secreto e o serviço aos homens na praça”.

Jesus, então atravessou o lago em uma pequena nau, juntamente com seus discípulos para o merecido tempo de descanso.

Entretanto, nesse tempo surge a compaixão. A multidão os esperava. O tempo urge e as pessoas têm suas necessidades. É curioso notar como as pessoas se alinham a um fio de esperança, seja ele qual for. É curioso notar como as pessoas seguem líderes, os mais diversos, quando percebem a oportunidade de mudar de vida, quem sabe, para melhor. É curioso notar como a ansiedade gestada em uma alma desesperada pode se tornar um terreno passível de transformação, sejam elas boas ou ruins. No caso de Jesus, as pessoas sabiam que se tratava de uma gloriosa transformação.

Diante da multidão, Jesus faz uma constatação chocante: “São como ovelhas que não têm pastor”. Diante dessa constatação, não há lugar para fenecer. O descanso dos discípulos é interrompido e a ação evangelizadora recomeça.

Mas o que significa essa expressão chocante de Jesus:

Significa, primeiramente, que a vida apresenta suas complexidades e sempre nos conduz para o terreno da obscuridade. Todos enfrentamos problemas, os mais diversos, e nos perdemos em devaneios e pensamentos. Em múltiplos instantes do nosso cotidiano, tememos e precisamos do ombro amigo para a sustentação e redirecionamento da vida. As pessoas, entre a multidão, precisavam do ombro amigo de Jesus.

Em segundo lugar, precisamos nos deparar com alguém que nos inspire e nos dê a possibilidade de avançarmos. De fato, para aquela multidão e para nós, Jesus é a fonte de inspiração. Num mundo onde a lógica de Mamon organiza a vida social, torna-se urgente e importante a manifestação de uma inspiração que nos oportunize uma outra lógica. O cristianismo é desafiado pelos ventos dos sete Espíritos de Deus a viver no mundo sem ser do mundo, ou seja, viver outra lógica confrontando a que está presente diante de nossos olhos, visando uma sensibilidade solidaria. Nessa mesma linha de pensamento, Hugo Assmann e Jung Mo Sung no livro co-escrito: Competência e sensibilidade solidária” apontam para a necessidade de negar o olhar para os valores da cultura dominante e ver o que ainda não pode ser visto pela força interior do desejo. Dessa forma, criando um horizonte de esperança e utopia,

"que ainda não existe e que talvez nunca venha a existir, mas que dá um sentido às ações que nascem do nosso desejo de um mundo melhor. Este horizonte de utopia e esperança nasce juntamente com este desejo de vivenciar a sensibilidade solidária para além das relações pessoais, ou em um pequeno grupo, o desejo de que toda a sociedade, toda a realidade seja invadida e ‘grávida’ desta solidariedade mais genuína. E é este horizonte utópico que alimenta este desejo e dá sentido a esta sensibilidade solidária” [ASSMANN & SUNG, 134 E 135]. 

A sensibilidade solidária é, de fato, uma outra lógica frente ao mundo hermeticamente fechado em suas verdades sem amor.

E finalmente, uma ovelha sem pastor está desprovida de cuidado e segurança. Se um sistema que existe para favorecer o bem estar das pessoas não o efetua, então, se torna necessário abraçar um outro sistema, quem sabe, marcado por pequenas comunidades de vida, onde a manifestação do Reino de Deus seja mais concretizada em versos, prosas, boa comida, saborosa bebida e justas amizades. Aliás, em 2011, pensando nos desafios que nos levam ao anúncio do Reino, veio-me intuitivamente um poema. Eis aqui o relato:

O Reino de Deus é uma coisa modesta
É sinal de vida, num mundo de cão
É força que brota da simplicidade
De quem tem no peito um bom coração

O Reino de Deus é um grão de mostarda
Que cresce, que murcha, dá flor e dá fruto
Mas faz diferença no cotidiano
De quem tá cansado e só quer relaxar


O Reino de Deus é viúva que acha
Moeda perdida num canto qualquer
E reúne as amigas pra uma festinha
É o riso e alegria querendo chegar


O Reino de Deus é acontecimento
Que ocorre aqui, que ocorre acolá
É Deus sempre junto da história da gente
Mandando as tristezas pras bandas de lá

E nas metáforas desse singelo poema chegamos à conclusão de que o Reino é sempre maior que a igreja e que as pessoas, igualmente, são maiores que as instituições e seus líderes. Sendo assim, mais do que a valorização da instituição ou da figura personalista de um determinado líder, o pastoreio é sempre um nicho comunitário de pessoas que querem viver bem, viver melhor. Na perspectiva do que Jesus constatou, não há espaços para personalismos, mas um lugar, em um canto qualquer onde mestre e discípulos(as) se organizam numa comunidade sem patentes e sem hierarquias, onde Deus é tudo em todos.


Então, em tom de conclusão, afirmamos que as pausas para o descanso e a compaixão que visa o cuidado das vidas se misturam na lida diária. Num e noutro espaço, é a graça de Deus que nos ajuda na conciliação, quem sabe, numa mesa farta com risos e riscos, onde pessoas concretas que sofrem dramas concretos se cuidam umas das outras sem peso ou ressentimento. É como Dom Hélder Câmara, saudoso bispo de Olinda, afirma: “As pessoas te pesam? Não as carregue no ombro. Leve-as no coração”. De alguma forma, seja assim a tônica de nosso mútuo pastoreio, de uns com os outros, de uns para com os outros, pelos outros, pois ao final das contas, somos pastores uns dos outros e ovelhas com pastores(as), os mais diversos(as). Que o Senhor nos ajude. 

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