quarta-feira, 25 de julho de 2012

TEOLOGIA E PRÁTICA METODISTA A PARTIR DOS ANOS SESSENTA


TEOLOGIA E PRÁTICA METODISTA A PARTIR DOS ANOS SESSENTA

(IDAS E VINDAS NA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE METODISTA)

De Reuniões 21/07


(Apresentação efetuada por ocasião do 5º Encontro Nacional de Metodistas Confessantes, em 21 de julho de 2012 na IM em Itaim Bibi - SP)




1.      PRELIMINARES

1.1  DE QUE LUGAR REALIZO A ANÁLISE?

a)      Fui um dos atores no processo de avaliação crítica das dimensões teórico/práticas do conceito de “missão” nos anos 60, a partir do novo enfoque da “missão para o mundo”.

b)      Participei do processo que viabilizou a transição entre a prática do projeto missionário estadunidense e o desafio da encarnação da tradição wesleyana à realidade brasileira e latinoamericana.

c)      Fui testemunha atuante da emergência e construção dos Planos Quadrienais de 1974 e 1978 e do Plano para a Vida e Missão (1982)

d)      Fiz parte da liderança que introduziu, antes do Concílio de 1987, o novo modo de ser Igreja dos “Agentes da Missão” (transmudado em Igreja dos Dons e Ministérios no Concílio).

1.2  Fiz cedo a transição entre a postura geral definida como “liberal” para uma postura radical, que enfatiza a práxis, a saber, associa dialeticamente prática e teoria como entidades distintas, valorizando perspectivas históricas. Estas novas bases orientaram meus estudos das Escrituras (ex. o Jesus da história, o Jesus de Nazaré, se manifesta com maior amplitude a partir de sua prática, requerendo subordinação de seu ensino à sua prática).



2.      ANTECEDENTES DA IGREJA METODISTA DE MATRIZ NORTEAMERICANA

2.1  O projeto: “o destino manifesto”

Este projeto é fundamentalmente político (a democracia nos moldes da experiência democrática norteamericana é o horizonte da suprema realização para o mundo: o “american way of life”).

As Igrejas estadunidenses, herdeiras da fé no destino manifesto, a aproximaram da noção de “evangelização” (que se confunde também com a democratização das nações; aqui se articulam as fidelidades religiosa e estatal) (ex clássico “maravilhas grandiosas outros povos têm (os EEUUAA), bênçãos venham semelhantes, sobre nós (os brasileiros) também”).

2.2  A evangelização anticultura

a)      No modelo missionário de nossas origens, a cultura brasileira é, em geral, rejeitada como obscurantista e retrógada

b)      O “mundo” é visto como lugar a fugir para o refúgio da Igreja, a nau segura

c)      Evangelizar = americanizar

d)      A sociedade protestante no país é vivida próxima à experiência do “ghetto”

e)      Exceções surgiram a partir dos missionários relacionados ao “evangelho social” (ex Tucker)



3.      INFLUÊNCIAS PROVOCADORAS DE MUDANÇAS (a ordem abaixo não é cronológica, pois estas novas perspectivas se mesclavam; ela é “descritiva”)

3.1   A leitura marxista da sociedade e da economia (marxismo como instrumento de análise)

a)      A concentração do capital como injusta e desestruturante da sociedade

b)      A pobreza como construção social e histórica; o conflito de classes

c)      A aproximação do evangelho de processos revolucionários

d)      A emergência da Teologia da Libertação e a valorização/descoberta do movimento profético do AT

e)      A opção preferencial pelos pobres

3.2  O Concílio Mundial de Igrejas reavalia conceitos de missão.

a)      Evangelização como “propaganda” que difunde um modelo, descaracteriza os neoconversos, tornando-os piores que “seus evangelizadores”.

b)      A crítica ao modelo tradicional “Deus-Igreja-Mundo” pela constatação de ser o mundo o alvo do amor de Deus. O novo modelo “Deus-Mundo-Igreja” (ou “Missiodei”, adotado pelos Planos Quadrienais e o PVMI. A agenda da Missão deriva também do mundo.

3.3  A redescoberta do projeto do “Reino de Deus”

a)      resultante da práxis do Jesus de Nazaré (redescoberta do Jesus histórico e sua prática), como desafio de prática missionária que se encarna na história.

b)      Participar na construção do Reino de Deus aqui e agora requer priorização da prática do amor em todas as fronteiras, independente das fronteiras da Igreja

c)       O pobre como o bemaventurado do Reino

d)      O novo chão para práticas ecumênicas

3.4  A redescoberta de John Wesley como fonte inglesa da tradição wesleyana

a)      A constatação da mediação enviesada da tradição wesleyana original face às distorções processadas nos EEUUAA. (Ex. A centralidade da espiritualidade wesleyana no evento do “coração aquecido” e suas consequências para o desvirtuamento do conceito de “santidade” e concentração no individualismo, ignorando que, para Wesley, “o cristianismo é essencialmente uma religião social e torná-lo em religião solitária é destruí-lo”)

b)      A nova percepção do conceito original de santidade e santificação: a fusão radical e orgânica entre atos de piedade (dimensão transcendente) e a prática da misericórdia (organização e materialização de obras a favor dos pobres e desvalidos), como o coração da tradição wesleyana original

c)      O pobre como quem suscita o amor misericordioso em função de suas carências (em vez de um amor que brota do amor de Deus em nós e se dirige ao pobre com viés autoritário, do tipo “eu sei o que é bom para você, ou seja, o evangelho que anuncio”)

4.      A CRISE NA IGREJA METODISTA NOS ANOS SESSENTA

4.1  A crise do “projeto misionário metodista”

a)      A consciência do estancamento do crescimento numérico. “Perdemos a relevância?”

b)      O desmonte estrutural: o esvaziamento do “Conselho Central” (elo entre a Igreja autônoma e a Igreja mãe, criado em 1930, com deslocamento do poder para a Igreja mãe; desativado em 1970); a autocrítica dos missionários nos cargos de Secretários Gerais (de Missões, de Educação Cristã e de Ação Social) e suas demissões visando à emergência de lideranças nacionais; esvaziamento do processo formal de avaliação trimestral das igrejas locais pelo esvaziamento dos Concílios Locais; a crise das estatísticas; o desmonte da estrutura autônoma que administrava todos os aspectos da vida dos missionários norteamericanos (a tesouraria autônoma foi integrada à Tesouraria da Igreja nacional, a decisão da moradia, estudo dos filhos, pagamento dos subsídios, passam à gestão do órgão máximo da Igreja nacional)

c)      A análise da inadequação do “modelo de missão” autocentrado e de costas para a realidade brasileira

4.2  A emergência da juventude metodista, a universitária (sem precedentes até então), e seus colegas não universitários que adquiriam autonomia financeira, nos anos 60

a)      Crítica aberta ao                                          “projeto missionário anticultura”

b)      A valorização da ciência e seu confronto com a doutrina vigente

c)      Construção de pontes com a cultura brasileira (a conciliação com a cultura – música, poesia, teatro, cinema, manifestações da cultura popular, festas nacionais, etc); a descoberta da urgência de compromissos políticos por mudança (revolução) na sociedade; a emergência da “Nova Canção” cristã e brasileira (Nora Buyers, Jaci Maraschin, Décio Laureti, Ernesto Cardoso e dezenas de novos poetas/compositores) em geral afinada com a nova visão de que Missão emerge da realidade humana, brasileira e latinoamericana

d)      Oposição ao golpe militar (com forte apoio de elites civis) de 1964, tornado marco divisório na Igreja, sobretudo entre gerações (o retorno saudoso das lideranças tradicionais ao processo missionário norteamericano pelo viés do anticomunismo e em oposição ao processo da missão encarnada na realidade brasileira)

e)      A crise de 1968 (fechamento da Faculdade de Teologia) como ruptura entre “Igreja” e juventude e a progressiva má consciência por parte de “representantes” das “elites metodistas”

4.3  O NOVO MOVIMENTO MISSIONÁRIO COMO MOVIMENTO OFICIAL

a)      Reconhecendo ser a questão missionária o foco da crise da Igreja Metodista, no início dos anos 70 a Faculdade de Teologia decidiu convocar toda a comunidade, professores e alunos, para debruçar-se sobre o tema; destinou-se um período semanal para estudo coletivo; disponibilizou-se documentos do Concílio Mundial de Igrejas; cada professor, em sua área, foi desafiado a focar o tema, pesquisando com os alunos a literatura disponível (extremamente farta, aliás); realizavam-se assembléias coletivas ou estudos em torno das áreas de especialidade dos docentes.

b)      O Secretário Geral de Ação Social, João Parahyba Daronch da Silva publica o livro “Doutrina Social da Igreja Metodista” (1968), inspirado nos documentos do Conselho Mundial de Igrejas.

c)      O mesmo Secretário Geral apresenta ao Concílio Geral de 1970 a nova proposta do Credo Social, próxima do Credo norteamericano original de início do século XX, aprovado então, que passou a se constituir nas balizas que norteiam as ações proféticas da Igreja (de denúncia das injustiças e anúncio de um novo mundo possível), revendo as bases da ética moralista vigente até então, por uma ética sociopolítica, não tendo sofrido alterações até hoje, a não ser a eliminação de vestígios moralistas do credo anterior que resistiram ao Concílio de 1970/71

d)      O primeiro Plano Quadrienal, aprovado em 1974, após as linhas gerais dadas pelo então “Conselho Geral” (análogo ao COGEAM atual), teve parte de sua redação nas salas da Faculdade de Teologia, trazendo para o interior da Igreja o novo movimento “Deus-Mundo-Igreja” e a centralidade da missão (“evangelização”) como participação histórica na construção do Reino de Deus na ampla sociedade humana (e sua cultura); evangelizar é libertar a pessoa e a comunidade de tudo o que as escravizam e conduzi-las à plena comunhão com Deus e o próximo.

e)      Pelo Plano, tudo na Igreja, suas propriedades, seus recursos humanos, seus recursos financeiros, suas instituições, deveriam estar à serviço da Missão.

f)       Evangelizar deixa de ser “o discurso para convencer”, para tornar-se expressão de amor. A adesão à Igreja não está sob controle dos crentes, pois “é Deus quem agregará” aqueles que, de boa vontade, fossem tocados pelas práticas de amor da comunidade.

g)      Os Planos de 1974, 1978 e o PVMI de 1982 foram acolhidos como o primeiro projeto missionário efetivamente elaborado pela Igreja brasileira.

h)      A emergência de estudos wesleyanos na América Latina e no Brasil, que revelam e superam as distorções surgidas na expansão missionária via EEUUAA. A Consulta de San José da Costa Rica (6 a 11/02/1983) com o título “La tradición protestante em la teologia latinoamericana – Primer intento de lectura de la tradición metodista”), que reuniu teólogos brasileiros e do continente. A Consulta de Piracicaba (1984) com o título “Luta pela Vida e Evangelização” (editado pelas Paulinas !), no mesmo formato da de San José. Nestas duas consultas, com atuação destacada do teólogo metodista José Míguez Bonino, se caracterizam as distorções da tradição processada nos Estados Unidos e se joga luz sobre a tradição original, considerando o novo contexto da realidade latinoamericana.

i)        Um grupo expressivo de teólogos metodistas brasileiros passa a frequentar regulamente a partir dos anos 80 os encontros quinquenais, no contexto do Conselho Mundial do Metodismo, o denominado “Instituto Oxford”, que dura algumas semanas e se reúne nas dependências da Universidade de Oxford desde o final da guerra de 1939-45, precisamente no local de vida e estudos de John e Charles Wesley. Dois destes eventos quinquenais foram dedicados a temas latinoamericanos.



4.4   A EMERGÊNCIA DO MOVIMENTO CARISMÁTICO

a)      Neste longo período de intensa caminhada da Igreja, experiências carismáticas ocorrem em praticamente todas as regiões eclesiásticas.

b)      A 1ª.RE vive nos anos 60 profunda crise que culmina com ruptura e saída de vários pastores com parte de seus respectivos membros, fundando a Igreja Wesleyana.

c)      Na mesma ocasião a 6ª. RE faz uma caminhada carismática ao mesmo tempo mais ordenada e mais radical. Após a aprovação do PVMI, realizaram uma análise coletiva constatando a necessidade de interromper o que se denominou de exaustivo “estresse religioso”. O movimento não se encerra, mas decidem fazer acompanhar a piedade carismática de “obras de misericórdia”, inclusive estabelecendo obras sociais em várias igrejas. Este processo ocorreu durante o episcopado de Richard dos Santos Canfield.

d)      A presença carismática evolui em nossas comunidades face à emergência dos movimentos neopentecostais (que aproximam práticas eclesiais do “mercado”); questiona-se o batismo infantil, a partir da ênfase no batismo de imersão, levando o Colégio Episcopal, em meados dos 90, a “evoluir”, em que pese sua insistência na legitimidade do batismo infantil: “embora a IM comumente pratique a aspersão, reconhece como igualmente válido o Batismo por derramamento ou por imersão”. Passou-se a batizar em rios e a se construir batistérios em muitos templos pelo Brasil. Muitos pastores passam a negar o batismo a recém nascidos. A meu ver neste momento legitima-se o movimento neopentecostal na Igreja.

e)      O movimento carismático adota o crescimento numérico da Igreja como a referência de sucesso, espelhando-se nos movimentos neopentecostais. Critica o crescimento expressivo pós PVMI como medíocre e adota metas e alvos de crescimento (o estabelecimento de alvos de crescimento numérico não é prerrogativa carismática). Com o batismo por imersão, acolhem-se, igualmente, como necessárias, “manifestações externas da presença do Espírito Santo”, adotando-se práticas que expressam emoções de diversos calibres: de brados de orações coletivas e cultos públicos para curas divinas ao jogar-se ao solo como manifestação da presença do divino.

f)       Com o retorno da concentração da Missão na Igreja, evolui-se para um programa sectário (tipo seita): valoriza-se a busca do “Deus das alturas” (culto como louvor, retomando, em novas formas, a importação de modelos religiosos como a música “gospel”, centrada no “Senhor do trono” no céu, nega-se ações ecumênicas em torno das pastorais católicas, desconsidera-se o compromisso de serviço voltado para demandas materiais da realidade social (a saber, desenvolve-se atos de piedade desconectados das obras de misericórdia; no limite, desenvolvendo-se práticas sociais assistencialistas, de natureza “autoritária”) praticando-se, igualmente, evangelização autoritária (do tipo, “nós temos a verdade para você; sua salvação é entrar para a igreja”). Vertentes diferenciadas deste quadro são, entre outros, o G 12 e o Discipulado, não previstos no e inconsistentes com o PVMI.



5.      VIDA E MISSÃO DO CONCÍLIO DE 1982

a)      Na celebração do cinquentenário da autonomia (em torno de 1980) a Igreja organiza algumas consultas nacionais, com participação de representantes de suas organizações.

b)      Consulta do Conselho Geral com a Board of Global Ministries em 1961 para a elaboração e assinatura de um “novo contrato” de relacionamento entre a “Igreja mãe” e nossa Igreja autônoma. Os representantes da Board, em número superior à dezena, tinham mandato para acatar as demandas do Brasil. Foi neste contrato que se transferiu a Tesouraria dos Missionários para a Tesouraria Nacional da Igreja e se aprovou a nova subordinação dos missionários norteamericanos à Igreja nacional. (O processo foi doloroso para os missionários, que passaram, desde então, a se reunir, à convite da Board, para reavaliar sua presença e atuação no país)

c)      A consulta “Vida e Missão”, na qual se desenhou, em uma tentativa de linguagem não teológica, o projeto missionário inspirado nos Planos Quadrienais anteriores. O Concílio debateu exaustivamente em grupos formados para cada uma das sete “Áreas de Vida e Trabalho”, discutiu e votou cada uma das proposições dos grupos em plenárias, por cerca de cinco dias. Cada uma das áreas (Ação Social, Comunicação Cristã, Educação – em suas três vertentes, a educação cristã, a teológica e a secular, Ministério Cristão, Evangelização, Patrimônio e Finanças e Promoção da Unidade Cristã) foi estruturada em “Conceito”, “Objetivos”, “Campos de Atuação” e “Meios de Atuação”, sempre em diálogo com o núcleo que aqui se denomina “miolo do PVMI” (O texto entre “Herança Wesleyana” e as Sete Áreas de Atuação). Este conjunto, em suas três partes distintas, proporcionou uma revisão profunda e bastante radical de todas as formas de atuação da Igreja “a serviço da sociedade brasileira”, no contexto de sua participação na construção do Reino de Deus.

d)      Consulta sobre educação para as instituições de ensino. Foi o processo mais tenso, com idas e vindas graves, até o “consenso possível” aprovado em Concílio (1982)

e)      Consulta sobre educação cristã para o interior da Igreja

f)       Como os Planos Quadrienais foram enxergados como “mais um documento” sem maiores consequências para a prática da Igreja, eles não suscitaram preocupação. O PVMI, logo após o Concílio, e face à edição em grande tiragem realizada pela UNIMEP liderada pelo Prof. Elias Boaventura (suspeitava-se de que a área geral demoraria para viabilizar a divulgação, considerada urgente, face à experiência anterior com os Planos Quadrienais), provocou forte tensão na Igreja, por várias razões:

- a crítica radical ao “modelo de missão dos missionários”, parecia uma traição à presença e dedicação valiosas destes pais da Igreja no passado

- a radicalização dos conceitos de evangelização: “A Igreja é sinal e testemunha do Reino de Deus. Ela é chamada a sair de si mesma e se envolver no trabalho de Deus, na construção do novo ser humano e do Reino de Deus. Assim, ela realiza sua tarefa evangelizadora”.

- No tópico “Situações nas quais acontece a Missão” o PVMI afirma que “a Missão acontece na promoção da vida e do trabalho. Para que haja vida são necessários comunhão e reconciliação com Deus e o próximo, direito à terra, habitação, alimentação, valorização da família e dos marginalizados da família, saúde, educação, lazer, participação na vida comunitária, política e artística e preservação da natureza. Para que haja trabalho são necessários humanização do trabalho, melhor distribuição da riqueza, organização e proteção do trabalhador, segurança, valorização, oportunidade para todos de salários e empregos”. Além de políticos (o que parecia mal em si) estes programas, apresentados como caminhos missionários, eram vistos como excessivamente horizontais.

- A nova vida (no Reino) é, antes de mais nada, opção pela VIDA (não se trata do conceito tradicional de “salvação da alma”, mas da busca da justiça nas relações humanas, a “justiça do Reino”, de uma nova sociedade entre a totalidade dos homens e mulheres), e uma luta contra as forças da MORTE, que se manifesta em uma sociedade injusta. A ênfase do PVMI é no pecado estrutural das forças da morte, todas aquelas forças que impedem a emergência da VIDA. Estes temas tornam-se estranhos para quem se fecha à visão missionária “Deus-Mundo-Igreja”, concentrando-se na percepção de “missão como construção da Igreja em um mundo hostil”.

- acusa-se o PVMI de ser dependente da Teologia da Libertação, portanto de ter um corte marxista.



g) POSITIVAMENTE O PVMI PROPÕE, ENTRE OUTRAS COISAS:

- a MISSÃO, ao centrar-se na categoria do Reino de Deus, deve gerar a plena felicidade humana universal. Deus é criador único de toda a humanidade e suas bênçãos (como sua chuva que cai indistintamente sobre todas e todos) se espalham sobre toda a humanidade.

- “Há necessidade de apoiar todas as iniciativas que preservem e valorizem a vida humana”, isto é, aponta-se para um ecumenismo radical, cujo critério de parceria é a luta pela vida da comunidade humana. “À luz do conhecimento da Palavra de Deus, em confronto com a realidade (que, conforme o Plano, precisa ser conhecida em sua dinâmica básica, tipo análise estrutural e conjuntural), discernindo os sinais do tempo presente, a Igreja trabalha assumindo os dramas e esperanças de nosso povo”.

- Missão é igual à LIBERTAÇÃO de todas as forças que escravizam o ser humano.

- A Missão requer assumir-se uma dimensão profética, a saber, a denúncia das forças da morte que ameaçam a vida e anúncio das possibilidades da VIDA.

- Como consequência, emerge um conceito ecumênico radical. “Trabalhar na Missão de Deus é somar esforços com outras pessoas e grupos que também trabalham na promoção da vida”, isto é, o critério para participação nesta missão de Deus não é necessariamente a pertença formal a uma comunidade crente mas o efetivo compromisso com a promoção da vida.

- O conceito wesleyano de santificação é a união, em cada metodista e sua comunidade, de atos de piedade e obras de misericórdia. (Para Wesley, as obras são parte essencial do processo de salvação, pois são elas que manifestam a presença da fé)



7. AGENTES DA MISSÃO OU DONS E MINISTÉRIOS? O CONCÍLIO DE 1987

a)      O Concílio de 1987 rejeitou as experiências concretas da 4a. e 5ª. REs, que avançaram em um processo coletivo (cerca de mil e duzentos metodistas em encontros setoriais de capacitação só na 5ª. RE), concentradas na designação AGENTES DA MISSÃO, tendo como referência o projeto do “Deus missionário do PVMI”, pelo tema, de gosto carismático, DONS E MINISTÉRIOS.

b)      O pacto era que as igrejas locais experimentassem a radicalidade deste “primeiro projeto missionário efetivamente brasileiro”. Foram editados livretos de estudo, na 5ª.RE, vendidos a preço de custo, publicou-se um texto comum de estudo, com duração de um quadrimestre, para todas as EEDomincais sobre o PVMI. Não obstante, desde cedo, foram introduzidos programas criados nos EEUUAA para “adaptação” ao “Dons e Ministérios”. Por outro lado, as escolhas absolutamente livres dos metodistas pelos dons a serem desenvolvidos nas comunidades foram os “dons espirituais” (sem as “obras de misericórdia”), que não exigiam “saída das quatro paredes do templo”, tipo “oração de intercessão”, “louvor”, “visitação” (aos membros da própria igreja), “pregação/evangelização” (nos velhos moldes de impor aos ouvintes nossa própria visão de mundo, sem busca prévia de diálogo).

c)      Os pastores, ressentidos pela aparente perda de poder (na medida que cada membro escolhia o que fazer na igreja e se organizava como tal,) pressionam os bispos em associação com os grupos societários (que tinham programação prévia e independente do novo modo de ser Igreja), para uma redefinição de papéis. Consequência: uma centralização pastoral e episcopal da Igreja ainda maior que a anterior.

d)      As regiões caminham para uma autonomia efetiva em relação à “Igreja nacional”, os pastores passam a reivindicar (e conseguem) negociar com as igrejas seus salários, os leigos (sobretudo jovens) reivindicam um espaço de louvor nos cultos (centrado na “canção gospel”). A evolução das “Igrejas de Mercado” (neopentecostais) contamina a Igreja Metodista, no amplo contexto do movimento neopentecostal nacional, que alcança a maioria das denominações (inclusive a Igreja Católica, que, por pressão do Vaticano, desmobilizara a rica experiência das “comunidades eclesiais de base”).

e)      Contra a lógica explícita do PVMI adotam-se alvos numéricos (cobrando-se a produtividade do pastor) para o esforço de evangelização (tradicional) da Igreja. Retornamos ao modelo criticado pelo Concílio Mundial de Igrejas, do “ganhar almas para Cristo”, isto é, adotamos o “modelo centrífugo” de missão, após um rápido período no “modelo centrípeto”. Nosso modelo atual nem é mais o ultrapassado “Deus-Igreja-Mundo”. Na medida que o “mundo” nem sequer é considerado como tal.

f)       A crítica teológica, a elaboração teológica, o sermão fruto de estudo tipo “a Bíblia em uma mão, o jornal na outra” é superado pela ação “iluminadora” do Espírito, mais próxima do improviso.



8.      OBSERVAÇÕES GERAIS

8.1  Até o presente, mesmo quando tensões tendem a afastar e isolar os extremos, nossa Igreja mundial e nacional consegue, em suas estruturas, manter seus dois grupos básicos em diferentes níveis de tolerância.

a)      Os dois grupos básicos se concentram em cada um dos componentes do conceito de santificação, a saber, “atos de piedade” e “obras de misericórdia”.  Embora estas duas ações devessem se articular simbióticamente, estes dois grupos que podem representar os extremos, sempre parecem encontrar algum lugar na experiência eclesial metodista.

b)      No Conselho Mundial do Metodismo é visível a preponderância do grupo relacionado às AÇÕES EVANGELÍSTICAS (grupo do tipo “atos de piedade”). Ele possui maior visibilidade, ocupa a maior parte da agenda, administra a maior soma de recursos (face à doações casadas). O grupo que se destaca pelo COMPROMISSO SOCIAL E POLÍTICO (grupo do tipo “obras de misericórdia”) traz para o interior do Conselho as dores efetivas do mundo, o sofrimento dos povos onde a Igreja ainda atua, de modo a alcançar muita relevância. Ele lidera as ações universais. Traz à tona situações dramáticas (crise do Oriente Médio, evocando o sofrimento das comunidades palestinas; opôs-se efetivamente à prática do apartheid na África do Sul, trazendo para depor bispos (anglicanos e metodistas) militantes da causa; se posicionou pró do Timor Leste, apesar da necessidade de sobrevivência da Igreja Metodista local com o governo maometano na Indonésia).

c)      Nos Estados Unidos muitas igrejas locais, em locais centrais das grandes cidades, cujos membros se afastavam da região afetando a frequência às rotinas comunitárias, decidiram trasformar-se em comunidade de acolhida dos homossexuais, que a frequentam como casais, individualmente ou em grupos. Setores que rejeitam estes processos como antibíblicos, se tornam efetiva oposição apenas quando a Igreja nacional propõe a ordenação de gays ao ministério ou a acolhida oficial ao casamento gay. Estas comunidades são toleradas.

d)      No Brasil, onde os metodistas neopentecostais se multiplicam, chegando hoje à hegemonia eclesial, ainda são acolhidos oficialmente o exercício coletivo de ministérios para a causa afrodescendente, para a causa indígena, não questionando a política oficial de respeito ao direito à sua respectiva autonomia cultural, que pode significar a não adesão à Igreja. A causa dos direitos humanos possui muitos adeptos respeitados pela comunidade wesleyana.

e)      Em geral, o órgão oficial “O Expositor Cristão” é espaço para manifestação de atos de piedade e obras de misericórdia em vários estilos, como relatos e apresentações doutrinárias. Uma leitura deste “Expositor” reflete melhor do que qualquer outro instrumento o convívio destes dois grupos.

8.2  ALTERNATIVAS

a)      O atual desequilíbrio estrutural em nossa Igreja é por demais evidente. O movimento neopentecostal se organizou para controlar espaços de poder. Pratica uma espiritualidade que busca o céu (com afirmações indemonstráveis do “senhorio do Senhor Jesus sobre a cidade, a nação, o mundo”), exercitando essa espiritualidade sem chão na realidade humana, desenvolvendo uma “liturgia que busca alcançar o céu”, cultivando uma experiência de salvação traduzida nos êxtases (momentâneos) dessa adoração “transcendental”. Pratica uma evangelização autoritária (travestida de amor ao próximo), cujo alvo é “arrancar do mundo” para a vivência desta adoração “celestial”. Estas práticas tradicionais são comumente presentes, sem os exageros das manifestações neopentecostais, em praticamente todas as nossas congregações.

b)      Vem sendo observado que a prática ecumênica com entidades católicas, negada em Concílio (apesar da posição contrária do Colégio Episcopal de então, que não conseguiu exercer sua liderança sobre suas respectivas representações provavelmente face ao necessário compromisso político pela reeleição), vem penetrando as comunidades pelas portas dos fundos.

c)      Para os confessantes esta percepção pode indicar rumos possíveis. Os espaços de interferência nas macropolíticas atuais parecem extremamente reduzidos, senão momentaneamente inacessíveis. Não obstante, na medida que representamos a indispensável “obras de misericórdia”, parece possível desenvolver este espaço de testemunho e sobrevivência na importante comunidade de fé, com a consciência de que este lugar não é concessão do poder vigente, mas direito no interior da herança que desfrutamos com legitimidade.

d)      Tenho a percepção de que nós, enquanto wesleyanos, podemos cultivar estes espaços da legítima espiritualidade wesleyana, com ênfase nas “obras de misericórdia” articuladas com os agudos problemas, agruras e temáticas de nossa sociedade local, brasileira e universal, sem a pretensão de sermos diferenciados. Enquanto tal somos naturalmente metodistas. Se estes espaços inexistem em nossas comunidades, podemos desenvolvê-los com metodistas para os quais estas práticas tenham valor. Duas referências merecem destaque:

- a primeira está relacionada à visão missionário tanto dos Planos Quadrienais como no PVMI de que a missão não é da Igreja, mas de Deus. De fato, o missionário é Deus, processo que se traduz pela expressão “Missiodei”. A partir desta referência, a consequência natural é retomarmos o compromisso explícito no PVMI com o trinômio “Deus-Mundo-Igreja”. Se o mundo é o centro do amor de Deus, entendemos que cabe à Igreja segui-lo e servi-lo neste processo de “encarnação”. Isto requer que tomemos os diferentes temas e problemas específicos do mundo como ocupação de Deus, a saber, como temas e problemas relacionados à nossa fé. A causa dos direitos humanos, o direito à vida, é causa de Deus (como afirma o PVMI de modo abrangente: “direito à terra, habitação, alimentação, saúde, educação, lazer, participação na vida comunitária, política, artística, direito à preservação da natureza, direito à humanização do trabalho, melhor distribuição da riqueza, organização e proteção do trabalhador, direito à segurança, oportunidade para todos de salários e empregos”. Aí está um sumário incompleto que aponta a direção do amor do Deus missionário, definindo prioridades para o exercício de nossos “atos de misericórdia” no coração do mundo, “fora das quatro paredes do templo”).

- a segunda está relacionada ao tema fundamental do processo de santificação do metodista, “as obras de misericórdia”, que necessariamente acompanham os “atos de piedade”. No interior da tradição wesleyana não é possível identificar “misericórdia” apenas com sentimentos de solidariedade para com distantes crianças órfãs vítimas das guerras africanas, pelas quais se ora piedosamente, solicitando a boa intervenção de Deus, por exemplo. Como mencionado acima, “obras de misericórdia” se traduzem, por exemplo, em ações políticas a favor de direitos humanos, como o envolvimento de John Wesley em sua luta contra a escravidão africana nos processos produtivos da Inglaterra ou das Américas. Estas “obras” têm muito a ver com a afirmação de Wesley: “o mundo é nossa paróquia“. “Obras de misericórdia” podem traduzir-se em atos de solidariedade por pessoas em crise de várias sortes, mas, na perspectiva de nossa participação na construção do Reino de Deus (que o PVMI traduz como a emergência de uma nova sociedade justa, radicalmente a favor da vida e contra todas as forças que geram a morte em todas as suas formas), “obras de misericórdia” precisam manifestar-se em ações que contribuam para a construção da nova sociedade de justiça e paz. “Obras de misericórdia” têm muito a ver com ações que se direcionem às estruturas da sociedade para a libertação da pessoa de forças que geram a morte. Esta é também a direção do amor e da atenção do Deus missionário. Estruturas da sociedade são, também, entidades que abrem ou fecham possibilidades para a felicidade humana. Na perspectiva do Reino de Deus ações políticas integram a “prática da misericórdia”, como ocorreu na vida e obra do missionário H.C.Tucker em nosso país, na segunda metade do século XX.



Piracicaba, julho de 2012



Ely Eser Barreto César

2 comentários:

luis fernando disse...

Análise muito consistente e atual!

luis fernando disse...
Este comentário foi removido pelo autor.